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O Bondoso

(Autor: A., via e-mail)

Um velhinho doente, mas ainda com disposição para andar pelo bairro, é dado a dizer recados para as pessoas. Ele passou o dia andando, e vendo pessoas reclamando e sofrendo, acreditando que umas palavras poderiam consolá-las.

Ao chegar próximo à entrada de uma padaria, viu um homem aborrecido resmungando para si mesmo:

- Não dá mais! O pão aumentou mais uma vez e o leite e o café também subiram. Tive que comprar menos pão e escolher as piores marcas de café e leite. A minha mulher não vai gostar! E as crianças, então...

- Não se preocupe. - disse o velhinho. - Quando você reclama da penúria que cresce em sua vida, você não percebe a riqueza divina que é o brilho do sol irradiando em sua frente.

O sujeito, indiferente, apenas disse "boa sorte" ao velhinho, por educação. Mas, para ele, a mensagem nada lhe serviu para consolá-lo.

Passando por um cemitério, numa capela contígua familiares choram o falecimento repentino de uma jovem, que depois de uma noitada morreu num acidente de carro com alguns amigos, cada um velado na capela de seu respectivo bairro. A mãe parecia desolada e gritava de tantos prantos!

- Minha única filha! Minha amiga e confidente! Oh, céus! Porque ela teve que ir antes? - desesperava-se a senhora.

- Não se entristeça. Veja que ela se tornou um lindo anjo no céu. No seu lugar, eu ficaria sereno e tranquilo. Foi a hora dela. A senhora está abençoada, dê graças a Deus! - disse o velhinho.

No entanto, depois que o velhinho se foi, a senhora não parou de chorar e caiu em profunda depressão. Teve que tomar calmantes e ser assistida pelo marido, um tanto indignado com a mensagem do velhinho, que antes não devia ter dito aquilo. Outros parentes tiveram também que amparar a infeliz.

Um rapaz chora num canto, em uma cadeira na praça próxima. O velhinho chega perto dele e pergunta:

- O que está acontecendo com você, amigo?

- Senhor - disse o jovem, contendo o choro aos soluços. - , eu conheci uma garota em uma exposição da faculdade, há um ano. Conversamos muito e tivemos muitas afinidades. Eu sentia que ela e eu nos gostávamos muito, e mantivemos contato. Mas os estudos tomaram muito tempo e levamos justamente um ano para retomarmos o contato. Quando retomamos o contato, ela se casou com um empresário que ela conheceu numa viagem de férias. Estou arrasado. Não consigo arrumar mulheres com afinidade. Só consigo atrair aquelas que não dão sequer para conversar. Uma delas cismou que eu era a paixão da vida dela. E nem é tão bonita do que aquela que se casou.

- Por que você não muda a forma de ver a moça que lhe quer? Por que não trava um diálogo com ela? Por que não mostra coisas boas para ela? Talvez tudo se resolva com facilidade.

- Não dá! - disse o rapaz. - Cada moça é cada moça! Não dá para forçar uma afinidade que não existe? E ela não me atrai, se fosse uma amiga, ainda vai, mas ela me olha como se quisesse se casar comigo! Não vai dar para conviver como um casal. Me desculpe, senhor!

O velhinho saiu sem dar mais palavra.

Passando por um ponto de ônibus, viu um homem olhando triste para a carteira de trabalho, diante do carimbo de demissão do emprego. Reclamava consigo mesmo que era o único emprego no qual ele se dedicou com muito prazer e os demais trabalhos que sobram não lhe servem sequer para desenvolver novas habilidades.

- Meu amigo. - disse o velhinho. - Essa é a grande oportunidade que você tem. Costumo dizer que a demissão é uma dádiva, porque é um novo caminho que se cria, uma nova jornada que se faz ao trabalhador de sempre. Até engraxar sapatos é um grande caminho para o sucesso.

O desempregado não entendeu o conselho e, mesmo que entendesse, não se sentiria consolado. Ao se despedir o velhinho, o desempregado respondeu com um seco "boa sorte".

O velhinho viu ainda uma senhora limpando a calçada do prédio onde mora. Reclamava muito da vida, dos problemas, da violência, da corrupção e das desgraças que ela tinha, não conseguindo ter sorte na vida e nem conquistar seus anseios, por mais que se esforçasse para isso. O velhinho então disse para a queixosa:

- Não reclame, senhora, porque isso envenena o coração. Cada desgraça enfrentada é uma graça obtida. Sorria e, no pior dos sofrimentos, ore em silêncio e observe que os passarinhos e as árvores continuam sua jornada, e o dia continua sempre bonito e agradável para as pessoas.

A senhora se sentiu ofendida, mas se conteve, e apenas continuou sua faxina sem falar uma palavra. Ela não se despediu do velhinho que, percebendo isso, foi embora sem dizer coisa alguma.

No horário do almoço, o velhinho passa perto de uma esquina. Nela aparecia uma família de mendigos sentados, uma mulher adulta e duas crianças. A adulta pedia, com seu habitual olhar triste, para o velhinho lhe dar uma esmola para ela alimentar os filhos. Ela tinha como desejo ter dinheiro para um almoço substancial, pelo menos com carne, feijão, arroz e salada, seja dado pelo caridoso de ocasião, seja por meio do dinheiro com o qual ela iria depois comprar alguma marmita.

O velhinho resolveu então ir para um restaurante. Achando que iria ajudar a família de mendigos, não lhes dando dinheiro mas oferecendo uma sopa, foi para uma padaria próxima onde também se faziam sopas.

A sopa que ele pegou era barata e ruim. Um caldo ralo e muito mal temperado com uma salsa, cenoura, chuchu e algumas massas com formato de argolas e uma pitada de sal. Feliz da vida, o velhinho encomendou três pratos de alumínio com sopa para servir para os miseráveis.

Chegando-se a eles, o velhinho, sorrindo, ofereceu as sopas aos miseráveis, buscando lhes dar palavras que ele considerava serem de eficiente conforto moral:

- É nesses momentos de pobreza e no sofrimento resignado que Deus é avisado dos deserdados da sorte e é por isso que o nosso Pai supremo não ignora seus filhos mais infelizes. Ofereço essa sopa que é um grande banquete para o corpo, enquanto a prece em silêncio é uma refeição que nutre a alma e o coração. - disse o velhinho.

Os miseráveis o ouviram, indiferentes, e, diante do prato de sopa, ficam frustrados com o presente. Queriam um prato de carne, arroz e salada, mas decidiram tomar a copa para não ficarem com fome. Se alimentaram e não sorriram nem agradeceram. O velhinho, vendo isso, se retirou lhes dando um sorriso.


*****


No seu último dia de vida, o velhinho bondoso acordou feliz. Sonhou que estava numa cerimônia com autoridades das mais importantes, ao lado de gente nobre que, num cumprimento solene, oferecia ao velhinho a medalha de mérito pelos atos de bondade e generosidade.

Ao acordar, andou com muita dificuldade para uma padaria, a mesma onde tomou a sopa - desta vez, a calçada próxima não tinha a presença dos mendigos - e pediu uma média com pão. Tomando um café com um pão francês recheado de manteiga, ele puxou o papo com um homem e, conversando sobre os fatos do dia, o velhinho sempre dizia coisas positivas.

- A desgraça é um presente de Deus para a pessoa aguentar tudo e ser, no final, agraciado pelas bênçãos futuras que lhe estão à espera.

O homem ouviu sorridente mas de forma indiferente, como se fosse um amigo falando uma trivialidade. Foi o último bate-papo que o velhinho teve com alguém. Encerrando a conversa, o velhinho se retirou, enquanto o outro ainda tomava café.

Na proximidade do almoço, no entanto, o velhinho estava em casa e se sentiu muito mal. Tentou sair de casa para tentar respirar um pouco e as pessoas o socorreram. Um morador do prédio foi chamar a ambulância que, depois de uns dez minutos, chegou para recolher o velhinho. Internado, o velhinho veio a falecer no começo da noite, depois da tentativa de mantê-lo vivo sob ajuda de aparelhos.

No mundo espiritual, porém, veio a decepção. Nada da cerimônia solene que ele esperava. Nada dos prêmios e reconhecimentos do homem que se achava tão bondoso. Um peso na consciência veio a esse espírito que, depois, percebeu que o que ele fazia nunca foi bondade. Ele não entendia as necessidades e carências de cada pessoa, e achava que tanto faz a pessoa sofrer na vida, desde que não demonstrasse revolta nem fizesse alguma reclamação.

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