(Autor: Senhor dos Anéis)
Especular sempre foi uma espécie de passatempo de adultos. É um remanescente da infância, quando brincar de supor ou inventar coisas torna-se um hábito de adultos "racionais", e isso se observou, na História da Humanidade, através dos fatores que levaram à crise da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929.
Especular continua sendo um "esporte" de muitos executivos que se arriscam a lançar ações numa bolsa de valores como quem faz apostas numa corrida de cavalos. Mas o episódio que causou uma das piores crises econômicas do mundo moderno demonstrou que a prática havia se tornado excessiva, quando pessoas inventavam falsos superávits (lucros) e déficits (prejuízos) de empresas na tentativa de faturar com tudo isso.
No "movimento espírita" a especulação se dá nos assuntos de espiritualidade que são do desconhecimento de seus líderes, seguidores e praticantes. Paciência, o "movimento espírita" começou se recusando a estudar a obra de Allan Kardec, sua primeira opção foi o igrejismo de Jean-Baptiste Roustaing, autor que passou a ser "rejeitado", embora a essência de suas ideias sempre tenha sido mantida.
Até brincamos quando definimos o hábito de supor reencarnações espirituais pelo "movimento espírita" de "Bovespírita", a "Bolsa de Valores Espírita". Há muitas apostas sobre quem teria sido quem, quando se sabe que o assunto de reencarnações passadas é supérfluo diante de tantos problemas e dilemas que a humanidade tem que enfrentar no dia a dia.
O caso de André Luiz, na verdade um personagem fictício, criado a partir das narrativas de A Vida Além do Véu, de George Vale Owen, e cujos aspectos foram traçados por Antônio Wantuil de Freitas, presidente da Federação "Espírita" Brasileira, Francisco Cândido Xavier e até por Waldo Vieira, a princípio com sugestões e, depois, com uma colaboração mais direta, é bastante ilustrativo.
Suposições diversas e conflitantes apostavam que André teria sido os médicos Carlos Chagas, Osvaldo Cruz e até o desconhecido Faustino Esporel, que teria sido também um dirigente esportivo, ligado ao Clube de Regatas Flamengo. Houve quem apontasse outro médico, Miguel Couto. Todos os dados apresentavam alguma contradição e indicavam um aspecto risível.
Afinal, o "espírito André Luiz" se definia como um homem que, na Terra, era um fanfarrão. Boêmio, mulherengo, comilão, apegado aos "prazeres da carne", que num jantar com sua esposa sofreu um ataque cardíaco, caiu da cadeira e faleceu, indo depois para o "umbral" onde almas que mais pareciam zumbis o xingavam de "suicida".
Então os médicos que fizeram história, juntamente com o obscuro Esporel, passaram a ser expostos como "fanfarrões", "mulherengos" e outros aspectos particulares da vida humana. Sabemos que até políticos como Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e João Goulart eram mulherengos, mas explorar esses aspectos soa leviano quando eles são colocados acima das virtudes administrativas.
O PRÓPRIO CHICO XAVIER FEZ PARTE DA BRINCADEIRA
Como ídolo maior do "movimento espírita", Chico Xavier, na verdade um católico ortodoxo com dons paranormais - bem mais limitados do que se alardeia oficialmente - , é erroneamente tido como "o maior espírita do mundo", valorizado até mais do que o próprio Allan Kardec, por conta do estrelato que o "médium" brasileiro obteve através de uma combinação de sensacionalismo e deslumbramento religioso.
Ele foi o primeiro a contrariar a imagem tradicionalmente discreta e intermediária do médium espiritual, que nos tempos de Kardec eram figuras discretíssimas, meros prestadores de serviços que nunca tinham muito cartaz por esse trabalho e nem tentavam posar de pretensos pensadores.
Aqui é que se propiciou o papel grotesco do anti-médium, do "médium-estrela" ou "médium-grife" que passa a se colocar acima até dos espíritos do além-túmulo e se aventuram na tarefa pedante de fazerem pregações religiosas e posarem de "grandes filósofos".
Daí que Chico Xavier se consagrou, sendo seu mito construído em princípio com muita confusão e sensacionalismo, para depois ser relançado pelo método do católico inglês Malcolm Muggeridge, que através de seu trabalho jornalístico sobre Madre Teresa de Calcutá, forneceu a fórmula ideológica de trabalhar mitos relacionados a estereótipos de caridade, bondade e humildade.
E aí a adoração a Chico Xavier, que é intensa e é alvo de intenso fanatismo - que rende até trolagens vindas de internautas que não gostam de ver seu ídolo "espírita" ser questionado - , faz com que se especulem reencarnações dele aqui e ali, envolvendo até palpites sobre vários de seus supostos relacionados.
AS ESPECULAÇÕES
Em depoimento a Carlos Alberto Braga, no livro Chico, Diálogos e Recordações, o viúvo da jovem Irma de Castro Rocha, a Meimei, o depois militante "espírita" Arnaldo Rocha, havia afirmado que enumerou várias encarnações passadas dele e de Chico Xavier em livros como Instruções Psicofônicas e Vozes do Grande Além.
Por conta do jeito efeminado de Chico Xavier, atribuiu-se encarnações passadas a mulheres. Uma das mais antigas teria sido a farani (feminino de faraó) Hatshepsut (c. 1490 - c. 1450 a. C.), obesa e diabética, que teria sido a primeira governante feminina do Egito.
Depois ele foi Chams (que viveu cerca de 800 a. C.), uma rainha do Egito que teve como "professor" uma encarnação anterior de Emmanuel e como amigo uma encarnação anterior de Arnaldo Rocha, e em seguida Chico foi uma anônima sacerdotisa grega que viveu em cerca de 600 a. C.. A sacerdotisa teve como tio uma outra encarnação de Emmanuel.
Depois veio Lucina, casada com o general romano Tito Livonio (atribuído a Arnaldo Rocha), chefe da revolta da Catilina (cerca de 63 a.C) e filha do senador Publius Cornelius Lentulus Sura, atribuído como avô de um inexistente Publius Lentulus que só "existia" numa apócrifa "Epístola Lentuli" lançada na Idade Média e renegada até pelos católicos medievais, embora tenha servido de fonte (através de pesquisas em enciclopédias) para o livro Há Dois Mil Anos, de Chico Xavier.
Depois, é atribuída outra reencarnação de Chico Xavier, a da filha de Públius Lentulus (Emmanuel), Flávia Cornelia Lentúlia. Teria vivido no começo da chamada "Era Cristã". A denominação vai contra um hábito que a aristocracia romana sempre fazia, batizando seus filhos com nomes derivativos de seus pais.
É uma grande aberração, se observar que ela era filha de um Cornélio e de sua esposa, Lívia. Segundo a casta romana, ela poderia se chamar Cornélia, ou Cornélia Livina ou Lívia Cornélia. Nunca seria uma Flávia, ausente na composição de nomes dos pais. E ela não deveria ser batizada como "Lentúlia", considerado vulgar no contexto romano, mas "Lentulina" ou "Lentulila".
Depois, Chico Xavier teria sido atribuído à encarnação de Lívia (entre 233 e 256 d. C.), menina abandonada encontrada por um escravo afinador de instrumentos, Basílio (atribuído a Emmanuel), e que depois encontrou um homem casado, Taciano (atribuído a Arnaldo Rocha) que tinha uma filha chamada Blandina (atribuída a Meimei).
Em seguida, Chico Xavier teria vivido na França, no século XII da "nossa era". Era o tempo das cruzadas medievais, operações de guerra ordenadas pela Igreja Católica para ampliar seus domínios territoriais. Clara era cunhada de Godofredo de Buillon (atribuído a uma encarnação de Rômulo Joviano, que havia sido patrão de Chico Xavier numa fazenda de Pedro Leopoldo) e do irmão deste, Louis (atribuído a Arnaldo Rocha), este casado com Cecile (atribuída a Meimei).
Wallace Leal Rodrigues, numa falha em sua carreira - ele era ligado a José Herculano Pires e traduziu O Que é o Espiritismo? de Allan Kardec dentro da lógica de se aproximar do texto francês - , havia lançado o livro Meimei, Vida e Mensagem, em que cita uma suposta mensagem de Meimei trazida por Chico Xavier (em suposta psicofonia).
Chico teria sido Lucreszja de Colonna (século XIII), sobrenome que remete à cidade italiana, contemporânea de Pepino de Colonna (atribuido a Arnaldo Rocha) e Pierino de Colonna (atribuído a Clóvis Tavares, jornalista e membro da Federação "Espírita" Brasileira). Os três teriam se encontrado com São Francisco de Assis, famoso por sua célebre oração (a que termina com o verso "é morrendo que se vive para a vida eterna").
Depois, Chico teria sido Joana de Castela (1479-1556), filha dos espanhóis Fernando de Aragão (atribuído a Rômulo Joviano) e Isabel de Castela. Casou-se com Felipe El Hermoso (Felipe, o Formoso), da família dos Habsburgos, e era nora de Maximiliano I. Joana era tida como "louca" porque via espíritos,
Há um erro histórico no relato, pois Joana de Castela era atribuída como casada não com Felipe I (atribuído a Arnaldo Rocha), mas com Felipe II, filho deste. E o fato de Joana, apelidada de "Joana a Louca", ser condenada à clausura é associada a uma suposta origem dos tormentos na vida de Chico Xavier.
Mais tarede, Chico Xavier foi, segundo o suposto relato de Meimei, a francesa Joanne D'Alencourt (século XVIII), que fugiu da perseguição de revoltosos durante a fase do "terror" posterior à Revolução Francesa de 1789, protegida por Camile Desmoulins (atribuído a Luciano dos Anjos, dirigente da FEB), vivendo na Espanha até morrer de tuberculose.
A "ÚLTIMA ENCARNAÇÃO" PRÉ-CHICO XAVIER E SUAS INCOERÊNCIAS
A "última encarnação" anterior a do próprio Chico Xavier foi atribuída a Ruth Celine Japhet, discreta médium francesa que, vivendo entre 1837 e 1885, colaborou com Allan Kardec na transmissão de mensagens para O Livro dos Espíritos. Os dons mediúnicos de Ruth foram constatados por um magnetizador, Ricard.
Geraldo Lemos Neto, que divulgou as supostas "profecias da data-limite" do amigo Chico Xavier, disse que essa "última encarnação" explicaria a hipótese de que o "médium" mineiro "guardava integralmente na memória" todas as páginas de O Evangelho Segundo o Espiritismo, o que fortalece o mito, bastante duvidoso, de Chico Xavier como um "profundo conhecedor" do pensamento kardeciano, nunca observado na prática.
Essa atribuição, até mais do que as outras, mostra um severo grau de incoerência. Não procede Chico Xavier ter sido uma médium do tempo de Kardec, porque nota-se que Ruth Japhet tinha um perfil discreto, não apelava para a "mediunidade-ostentação" que só se tornou típica no Brasil, no qual "médiuns" deixavam de ser médiuns (no sentido de "intermediários") para virarem centros das atenções, daí o termo "anti-médiuns".
Além disso, a atribuição se choca com teses de que Chico Xavier teria sido o próprio Kardec, difundidas por outro amigo, Carlos Baccelli, que tinha a convicção ferrenha de que o "médium" mineiro teria sido a reencarnação brasileira do pedagogo francês.
O mito de que "Chico Xavier foi Allan Kardec" é defendido por muitos "espíritas" deslumbrados e é corroborado por outro "médium" e amigo do mineiro, Ariston Teles, que em suposta psicofonia, atribuída ao próprio Xavier, afirmou que ele "teria sido" o próprio Kardec. Ariston alega que em princípio duvidou, mas depois passou a acreditar na hipótese.
Mais confusão. O próprio Chico Xavier negou, em vida, que teria sido Kardec. No livro Para Sempre Chico Xavier, de Nena Galves, ele havia dito a seguinte mensagem, em carta publicada pela escritora, na qual Chico dizia sentir "grande admiração" pelo pensador francês:
"Allan Kardec vive. Esta é uma afirmativa que eu quisera pronunciar com uma voz que no momento não tenho, mas com todo o meu coração repito: Deus engrandeça o nosso codificador, o codificador da nossa Doutrina. Que ele se sinta cada vez mais feliz em observar que as suas idéias e as suas lições permanecem acima do tempo, auxiliando-nos a viver. É o que eu pobremente posso dizer na saudação que Allan Kardec merece de todos nós. Sei que cada um de nós, na intimidade doméstica, torná-lo á lembrado e cada vez mais honrado não só pelos espíritas do Brasil, mas de todo o mundo. Kardec vive".
Mais e mais confusão. Não bastasse Chico Xavier ter sido falso com tal postura - ele nunca apreciou o pensamento kardeciano e deturpava com gosto a Doutrina Espírita, a ponto de apoiar uma deturpação grotesca, organizada pela Federação "Espírita" do Estado de São Paulo (FEESP), que tentava "roustanguizar" o texto kardeciano - , um dado chega a chamar atenção.
No programa Pinga Fogo, da TV Tupi de São Paulo, em julho de 1971, Chico Xavier dizia ser um "intelectual falido". Num programa em que Chico Xavier confessou seus pontos sombrios - católico ortodoxo, moralista, conservador e defensor da ditadura militar - , dizer que ele foi "intelectual falido" e associá-lo a Allan Kardec revela uma visão leviana da figura do pedagogo francês.
Afinal, isso é uma forma de definir Allan Kardec como "decadente", o que justificaria a deturpação da Doutrina Espírita, feita pelo "espiritismo" brasileiro, um processo que a FEB tentou definir como "atualização", de forma a atribuir como "ultrapassado" o pensamento científico do pedagogo de Lyon e dizer que a deturpação era uma maneira de "modernizar" e "ampliar" a Doutrina Espírita.
Com isso, obras de mistificação igrejista, em muitos aspectos com valores mais retrógrados que o da obra kardeciana, lançadas sobretudo por Chico Xavier, passaram a prevalecer mesmo no mercado espírita mais "sério", permitindo até mesmo traduções lançadas na França. Uma parcela dos kardecianos anti-deturpação mantém a fantasia ingênua de não questionarem o "valor" de deturpadores como Chico Xavier e Divaldo Franco.
Daí ser até estranho que se atribua tantas encarnações femininas a Chico Xavier, se ele foi capaz de colocar no papel as diretrizes machistas do traiçoeiro espírito jesuíta Emmanuel, que no livro O Consolador, de 1941, ainda foi irônico com as feministas, dizendo que "o melhor feminismo deve ser exercido dentro do lar e através da prece".
Tantas e tantas confusões se observa no "movimento espírita" e essa brincadeira de dizer quem foi quem em outra encarnação, sem estudos sérios sobre vida espiritual e correndo o risco de contrair vaidades pessoais diante da supérflua busca de "vidas passadas", sem motivos consistentes para tanto, só reforça essa confusão que faz o "espiritismo" brasileiro ser inimigo da coerência e do bom senso.
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