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Canonização de Irmã Dulce e a questão da caridade


(Autor: Professor Caviar)

A canonização de Irmã Dulce no Vaticano, junto a outros religiosos - o teólogo e cardeal inglês John Henry Newmann, as religiosas Giuseppina Vannini, italiana, e Mariam Thresia Chiramel Mankidiyan, indiana, e a catequista suíça Margherita Bays - , foi um grande evento e uma realização pioneira, ao declarar como santa a primeira personalidade brasileira a obter essa condição.

A canonização de Irmã Dulce foi realmente meritória, mas envolve a recomendação de que devemos ver a questão da caridade com cautela. No caso dela, sua caridade realmente teve significado porque ela foi além da assistência aos pobres, lutando para criar hospital público (Hospital Santo Antônio, localizado na Rua Dendezeiros, no bairro de Roma, em Salvador, terra natal da freira), além de escola pública (Centro Educacional Santo Antônio, em Simões Filho) e centro de proteção e auxílio aos trabalhadores (Círculo Operário da Bahia) e até Setor de Panificação para produção de pães, bolos e até panetones, para produzir renda para sustentar a instituição e remunerar pessoas de origem humilde que trabalham nesse setor. Tudo isso administrado pelas Obras Sociais Irmã Dulce.

São, portanto, ações que colocam como foco os mais necessitados e não o "benfeitor". Lamentamos que, no "espiritismo" brasileiro, ou mesmo em setores mais retrógrados do Catolicismo - como Madre Teresa de Calcutá, acusada de deixar seus assistidos em condições degradantes (vale lembrar que, quando Madre Teresa visitou o Brasil, dizem que Irmã Dulce a viu com discreta estranheza) - , a caridade seja medida não pelos resultados, mas pelo prestígio do suposto benfeitor.

Ver que Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco são associados a uma "caridade" cujos resultados foram sempre medíocres é constrangedor. Muitos ficam tagarelando sobre a "caridade" dos dois, mas essa papagaiada toda mais parece propaganda igualzinha à que se faz com Luciano Huck com os quadros assistencialistas do Caldeirão do Huck.

CHICO XAVIER, APOIADOR DA DITADURA MILITAR

Devemos lembrar que, no caso de Chico Xavier, seu mito de "símbolo da caridade" foi plantado pela imprensa hegemônica na época da ditadura militar. Seu propósito é criar um ídolo religioso que servisse de diversionismo para as crises que a ditadura militar causava, com seu projeto econômico elitista, sua atuação repressiva e anti-democrática, sua violência assassina e suas medidas entreguistas ao capital estrangeiro.

O mito de Chico Xavier tinha objetivos estratégicos da ditadura militar, que o "médium" apoiou com gosto e sem o menor escrúpulo (é bom se acostumar com a ideia; brigar com os fatos, mesmo sob o pretexto da fé religiosa, gera sempre decepção) e foi homenageado por ela (se a ditadura homenageou Chico Xavier, é porque ele deu uma valiosa contribuição à ditadura, ora!). Enumeremos:

1) CONFORMAÇÃO COM A DITADURA MILITAR - Com as "cartas mediúnicas", Chico Xavier, usando casos de tragédias de pessoas comuns, fazia com que as pessoas se conformassem com as torturas e mortes causadas pela ditadura militar. Ao espetacularizar e glamourizar a tragédia humana e apontar, como utopia, uma "vida espiritual" nos mesmos moldes da vida terrena, Chico Xavier, como apoiador convicto da ditadura militar (e ele, vale lembrar, não fez campanha pela redemocratização, que ele jogava "na conta de Deus"), queria fazer com que as pessoas até ficassem aliviadas com as mortes ocorridas na ditadura, porque as vítimas, "coitadas", foram "para uma vida melhor".

2) NEUTRALIZAR A ASCENSÃO DE PASTORES ELETRÔNICOS - Tendo a Rede Globo como artífice para a concepção do mito de Chico Xavier tal como conhecemos hoje - a emissora da família Marinho recorreu ao mesmo método que Malcolm Muggeridge usou para glorificar Madre Teresa - , um dos objetivos dessa iniciativa foi evitar o crescimento dos pastores evangélicos neopentecostais, como Edir Macedo e R. R. Soares, que estavam arrendando horários na televisão para aumentar seu público. A escolha pela Rede Globo de um "médium espírita" e não de um padre católico para promover idolatria religiosa visava manter o aparato "laico" da emissora, além de usar uma figura considerada "ecumênica" que pode ser alvo de beatitude sem despertar suspeitas da sociedade.

3) EVITAR A ASCENSÃO DE LÍDERES COMO LULA - É constrangedor ver as forças progressistas de esquerda prestarem alguma consideração a Chico Xavier. Afinal, ele sempre foi um reacionário convicto e sua imagem "progressista" foi plantada pela Rede Globo justamente para evitar que progressistas verdadeiros como o então líder sindicalista Luís Inácio Lula da Silva se projetasse como líder da redemocratização do Brasil. Devemos nos lembrar que Chico Xavier era anti-petista de carteirinha e não será 17 anos após sua morte que vamos negociar com o "médium" para ele virar esquerdista e apoiar Lula. O espírito muda, mas a essas alturas a identidade terrena de Chico Xavier já está extinta, tudo o que ele representa se concluiu com o legado deixado até o fim de sua vida na Terra.

Esses três ingredientes mostram o aspecto bastante sombrio do mito de Chico Xavier. Um sujeito que, no passado, era mais explícito nos seus defeitos: fraudador literário, usurpador de identidades dos mortos, apoiador de fraudes de materialização, charlatão (em muitos casos, Chico "psicografava" pessoas ainda vivas), deturpador da causa espírita (as ideias de Chico Xavier, constantemente, se chocavam terrivelmente com as de Allan Kardec), e, em si mesmo, um fenômeno pitoresco e sensacionalista, um autoproclamado "paranormal" num Brasil que desconhece as questões da paranormalidade, tema que já é um enigma nos países desenvolvidos do Velho Mundo.

Toda essa mitificação foi tendenciosa, e se observarmos bem, as alegações de Chico Xavier são muito vagas e sem fundamento. Quantas pessoas ele ajudou? Que progressos sociais foram causados? Em verdade, nada disso ocorreu, e as respostas são tão especulativas. Dizer, assim pelas palavras soltas ao vento, que Chico Xavier "ajudou milhares", "enxugou lágrimas de centenas de famílias" não traz garantia alguma de veracidade. E se isso não passar de boatos?

Dois problemas acontecem na "caridade" de Chico Xavier. Um é que as ações filantrópicas, mesmo nos limites paliativos e inócuos do Assistencialismo (tipo de "caridade" praticada pelos "espíritas"), nunca partiram dele, mas de seus seguidores. Era a "cigarra" pedindo às "formigas" para fazer doações e trabalhos voluntários. Além dos resultados serem pífios, porque não representam um combate frontal às desigualdades sociais - elas, na prática, permaneciam, só os efeitos drásticos eram minimizados, como uma espécie de "morfina social" nas pessoas pobres e doentes - , elas não eram originárias do "médium" que, cá para nós, ficava na sua "superioridade" religiosa disfarçada de humildade.

Outro problema é que as "cartas mediúnicas" não eram, em verdade, mensagens de consolação. Primeiro, porque há indícios fortes de que eram obras fake, copiadas de informações de jornais, leitura fria (interpretação subliminar de depoimentos de familiares e amigos de um morto) e até pesquisas em cartórios. Chico Xavier contava com uma rede de colaboradores que o ajudavam nessa coleta artificial de dados para produzir falsas psicografias. Segundo, porque as "cartas mediúnicas" alimentavam sentimentos obsessivos, causavam superexposição das vidas de pessoas comuns, espetacularizavam a tragédia humana e davam cartaz à imprensa marrom que reportava esses fenômenos pitorescos.

Só a cegueira emocional, aliada a uma profunda desinformação das pessoas - mesmo aquelas que possuem algum grau de esclarecimento podem cair eventualmente em armadilhas muito perigosas, conforme alertou Allan Kardec com muita antecedência - , é que vai considerar que Chico Xavier fez caridade. Não, ele não fez. Por ironia, a declaração de José Herculano Pires (que cometeu o erro de blindar, por boa-fé, o amigo Chico, ignorando o ditado "amigos, amigos, negócios à parte") sobre Divaldo Franco, se encaixa perfeitamente no "médium" mineiro, apenas substituindo alguns detalhes de contexto:

"Do pouco que lhe revelei acima você deve notar que nada sobrou do médium que se possa aproveitar: conduta negativa como orador, com fingimento e comercialização da palavra, abrindo perigoso precedente em nosso movimento ingênuo e desprevenido; conduta mediúnica perigosa, reduzindo a psicografia a pastiche e plágio – e reduzindo a mediunidade a campo de fraudes e interferências (caso Nancy); conduta condenável no terreno da caridade, transformando-a em disfarce para a sustentação das posições anteriores, meio de defesa para a sua carreira sombria no meio espírita".

Embora Herculano Pires tenha sido complacente com Chico Xavier, ele se esqueceu que, se Divaldo Franco cometeu os referidos erros, o mineiro abriu precedentes. Na verdade, se Divaldo Franco plagiou Chico Xavier, é porque este já fez sucesso como plagiador, sempre com a colaboração de uma grande equipe da FEB, inclusive do intelectual frustrado Antônio Wantuil de Freitas, presidente da Federação "Espírita" Brasileira.

Chico Xavier abriu precedentes para os erros cometidos pelos "espíritas". Não subestimemos os erros do "médium", porque eles foram gravíssimos e abriram caminho para os abusos que vimos em Zé Arigó, a família Gasparetto, José Medrado, João de Deus, Fernando Ben e o que vier de "aventureiro" da pretensa paranormalidade. Se tem gente fazendo joguinho com os amigos para ver quem foi reencarnação de quem, se tem gente prevendo datas futuras para acontecimentos históricos, apostando o ano determinado para cada realização, se tem gente usando o morto da moda para inventar mensagens sob o nome do falecido para impressionar os outros, tudo isso tem em Chico Xavier seu maior precedente.

E vemos que a "caridade" de Chico Xavier encontra eco em Luciano Huck, admirador confesso e convicto do "médium", apesar de católico assumido (se bem que Chico Xavier sempre foi católico, nunca foi espírita de verdade). Ambos foram "filantropos" fabricados pela Rede Globo, para anestesiar a sociedade e impedi-la que ela lute por mudanças sociais profundas. Daí que a "caridade" de Chico Xavier, que nunca ameaçou para valer os privilégios dos mais ricos, nunca passou de uma antecipação do Assistencialismo barato que faz a fama de Luciano Huck. 

Aliás, até a "caridade" de Luciano Huck tem em Chico Xavier seu precedente. A "caridade" de Chico Xavier nunca foi mais do que um simples "caldeirão" assistencialista, muito diferente do que havia feito Irmã Dulce em toda sua trajetória, pois a freira baiana não pensava em prestígio e realmente trabalhou para contribuir para a emancipação social dos mais pobres.

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