(Autor: Professor Caviar)
Muitos estão coçando o nariz quando se fala que Francisco Cândido Xavier, se estivesse vivo hoje, estaria apoiando o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro.
Ficam assustados só de saber que Chico Xavier, tão associado a ideias como "paz", "amor" e "solidariedade", estaria associado a alguém associado a qualidades opostas.
Mas vamos explicar tudo isso.
Muitos também estranham que certos ídolos de muita popularidade, como a funkeira Tati Zaqui, os "sertanejos" Zezé di Camargo, Gusttavo Lima e Eduardo Costa e personalidades como Andressa Urach e Antônia Fontenelle estivessem também apoiando Bolsonaro. Ou o chamado "pobre de direita", que conhecemos sobretudo quando pegamos o táxi, ou quando chamamos o encanador, ou quando pedimos a garrafa de cinco litros de água mineral, e o trabalhador que desempenha cada uma dessas atividades vai logo comentando sobre o "candidato que vai consertar esse país".
Fazemos uma comparação entre aqueles que acreditam que Chico Xavier apoiaria o candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad, e entre aqueles que acreditam que o "médium" apoiaria Jair Bolsonaro e, por incrível que pareça, a postura menos agradável é a mais realista.
Na comparação que envolve Haddad, o discurso a ser estabelecido é feito meramente por carga emocional e alegações meramente subjetivistas. Primeiro, a base é a imagem idealizada de Chico Xavier, adocicada à maneira de uma "fada-madrinha" do mundo real. Com isso, ideias soltas relacionadas a "caridade" e "fraternidade" criam uma falsa ponte entre um Chico Xavier idealizado ao sabor das paixões religiosas e da fascinação obsessiva e o petismo, e setores das esquerdas vão logo construindo sua narrativa, criando uma falácia que poderia ser unânime não por ser realista, mas por soar agradável e parecer mais positiva.
No entanto, devemos observar certas coisas. Os adeptos e seguidores de Chico Xavier não leem seus livros e não se aprofundam em saber suas ideias, o que faz com que, só pelo fato dele ser um ídolo religioso, muitos imaginem que ele teria sido progressista e usam o pensamento desejoso para manipular suas convicções com pretensas justificativas para suas visões idealizadas a respeito dele.
Isso faz com que a associação que se faz de Chico Xavier com o esquerdismo, pegadinha que recentemente seduziu, pela boa-fé, alguns esquerdistas (Ribamar Fonseca, Leonardo Stoppa e Ricardo Kotscho), soe uma narrativa mais agradável, confortável e, por ser positiva, fácil de obter apoio e muito fácil de se tomar como uma "verdade indiscutível", embora sua carga discursiva seja muito mais emocional do que racional.
Já a outra narrativa é, embora extremamente desagradável, bem mais realista e comprovável por argumentos. Se lermos os livros de Chico Xavier e prestarmos atenção em suas ideias, teríamos a dolorosa conclusão de que ele era uma pessoa ultraconservadora, fato comprovado pelas próprias palavras dele.
Ele sempre apelava para as pessoas aceitarem o sofrimento em silêncio. Isso é, com toda segurança, um pensamento bastante conservador. Ele ficava o tempo todo dizendo "não reclames", "não queixes", "não questiones", "no pior das agonias, veja a beleza da Natureza" e outros apelos. Não há como dizer que tais pensamentos são progressistas.
Chico Xavier teve sua imagem suavizada e adocicada pela Rede Globo de Televisão, que fornece a "linda imagem" que costuma-se ter do "médium", um truque publicitário que pega muita gente desprevenida e que trata essa imagem forjada como "verdade indiscutível". Chega-se à idiotice de se desestimular o raciocínio questionador (uma das bandeiras de Allan Kardec) sob a falácia tola de "ouvirmos a voz do coração". Uma carga emotiva cheia de pieguices, que enjoa de tanta doçura excessiva.
Mas o Chico Xavier real foi o velho ranzinza, um tanto rabugento, que deu entrevista ao programa Pinga Fogo, da TV Tupi, em 1971. O mesmo que, irritado, despejou comentários ríspidos contra os amigos de Jair Presente, definindo a dúvida deles quanto a supostas psicografias como "bobagem da grossa". Suas ideias sempre foram de um conservadorismo extremo, apenas suavizado por palavras piegas.
Ora, vejamos. Há uma pregação que diz "você deve aceitar o sofrimento e a desgraça, sem reclamar e em silêncio". Ou então: "na pior de suas agonias, desenvolva o perdão ao algoz, não se preocupando com seus privilégios abusivos: Deus irá resolver isso, um dia". (leia-se "um dia" para daqui a, no mínimo, 50 anos, isso quando não é na encarnação posterior).
Não, isso não é progressista. As esquerdas, em dado momento, se deixam levar pelas pautas oferecidas pela direita. Esquecendo das recomendações de Leonel Brizola, esquerdistas se dão às mãos com a Rede Globo e endeusam o "médium" ultraconservador, esquecendo que ele é um protegido da família Marinho, como se ele fosse um padroeiro das Organizações Globo.
É mais lógico Chico Xavier ser associado a Jair Bolsonaro, até porque o candidato do PSL faz o jogo que o "médium" adorava muito: o dos contrastes. A dicotomia amor/ódio, no entanto, é apenas simbólica e superficial, e tanto Chico quanto Jair expressam as mesmas ideias.
O moralismo de Chico Xavier criminaliza a vontade humana, preferindo a submissão do que a emancipação. Sinaliza a limitação de direitos, forçando a pessoa a se evoluir nas dificuldades e na injustiça. É a mesma coisa que Bolsonaro em seu projeto político, que sinaliza perda de direitos trabalhistas, perda das riquezas brasileiras e queda de qualidade de vida.
Uma declaração de Chico Xavier, que defendeu a ditadura militar até o fim, revela seu ultraconservadorismo, despejando ataques indignados aos movimentos sociais, como se o "médium" fosse um anti-petista doentio. São palavras expressas a um público gigantesco, com o "médium" fazendo isso por plena consciência de seus atos:
"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades".
Não existe contexto que possa justificar, com segurança, qualquer pensamento desejoso que, diante do conhecimento deste depoimento acima, alegue que Chico Xavier teria sido manipulado ou tomado de alguma obsessão espiritual ao dizer isso para um grande público. Alegar que Chico foi "iludido", "enganado" ou "foi tomado pelo clima do momento" para livrar-lhe da responsabilidade de tamanho reacionarismo é mais confortável e agradável, mas inevitavelmente cai em contradição e mostra sérios problemas em relação à lógica dos fatos.
Podemos inferir que Chico Xavier teria admitido que Jair Bolsonaro inspira "sentimentos e ações lamentáveis" de seus seguidores. O raciocínio segue, por exemplo, o que o Judiciário (setor endeusado pelo "movimento espírita") disse a respeito das frases preconceituosas e grosseiras de Jair Bolsonaro, consideradas "infelizes", mas "dentro do seu contexto".
Chico Xavier defenderia Bolsonaro porque ele, a seu ver, seria um candidato "necessário para os sacrifícios que os brasileiros ainda terão que passar", e, na sua lógica conservadora, o candidato do PSL seria uma opção para "livrar o Brasil de paixões materiais e também das falsas (sic) conquistas dos governos petistas, que fizeram os pobres 'quererem demais' as coisas". Chico ainda destacaria o caráter religioso de Jair, "um irmão que segue o Evangelho de Jesus" e realçaria as bandeiras morais do seu projeto extremamente conservador.
Os devaneios emocionais, tão belos, confortáveis e agradáveis que fazem o pensamento desejoso ser o recreio dos "espíritas" no Brasil e em outros países solidários a isso, como Portugal e Espanha, contrariam a preocupação do Espiritismo original com a lógica e o bom senso. A falácia de "ouvir a voz do coração" só existe no Brasil, e em muitos casos ocorre ao arrepio da argumentação lógica e da coerência e veracidade dos fatos.
Por isso é que o suposto esquerdismo atribuído a Chico Xavier é um devaneio sentimentalista, carregado de muita pieguice e fantasia, mas não condiz ao moralismo retrógrado e obscurantista do "médium" que pedia para ninguém questionar as coisas e para os sofredores aceitarem suas desgraças em silêncio. Chico criou um imaginário que hoje permite a ascensão de Jair Bolsonaro. Convém, pelo menos, aqueles que promoveram e apoiaram (e apoiam) Chico Xavier assumir tais consequências.
Comentários
Postar um comentário