(Autor: Professor Caviar)
O quadro sócio-político ruma para tempos sombrios porque os brasileiros se apegam, de forma doentia e obsessiva, a velhos paradigmas. Eles repousavam, como vulcões adormecidos, num imaginário oriundo da ditadura militar e no qual os tempos da redemocratização não tiveram condições de superar. De uma forma ou de outra, o imaginário ultraconservador dos anos de chumbo do regime militar se manteve quieto, até que encontrou o momento certo para o "vulcão" explodir novamente.
Por isso, vemos o fascista Jair Bolsonaro se tornar um estranho favorito nas pesquisas de intenção de voto. É porque voltou o imaginário que combinava emotividade cega, apego às convicções pessoais, ódio aos movimentos populares, desejo de preservação dos privilégios das elites, baixo senso crítico da realidade, adesão a notícias falsas porém agradáveis etc.
Temos um moralismo obtuso que faz com que, para setores influentes da sociedade, o brasileiro que as pessoas têm mais medo de ver morrer é um ex-playboy da alta sociedade que cometeu um feminicídio mas, por outro lado, também contribuiu para destruir seu organismo, tendo vivido mais de 55 anos por muita sorte, porque seu corpo não era capaz de tanto. Muitos pensam que falar de sua grave doença é demonstração de ódio e dano moral, mas são alertas de que o organismo de um assassino não é mais especial do que um organismo de uma pessoa qualquer.
Esse moralismo obtuso, capaz de tamanho apego a um machista, estabelece critérios muito estranhos. É o caso do apreço a Jair Bolsonaro, eleito sem propostas relevantes, confiáveis nem democráticas. É o inconsciente coletivo movido a impulsos e apegos doentios dos mais diversos, dos quais não abrem mão, preferindo o caminho da perdição por parecer "mais empolgante" e "mais pragmático".
Além dos problemas de escolaridade que o povo brasileiro teve desde a ditadura militar, que resultou numa cultura esquizofrênica marcada pela canastrice e pela cafonice, temos o problema da educação emocional que faz as pessoas desejarem desesperadamente o supérfluo ou o nocivo, não se sensibilizam com conselhos nem alertas e dão preferência a quem está associado a valores que combinam sensacionalismo, pieguice, exibicionismo e até mesmo mediocridade.
Um dos problemas causados por isso é o apreço aos arrivistas, e isso une, de maneira surpreendente, Francisco Cândido Xavier e Jair Bolsonaro, que surgiram de maneira desonesta e criadora de muita confusão. Chico Xavier surgiu produzindo obras de literatura fake, usando nomes de autores mortos - a maior vítima desse embuste foi o escritor Humberto de Campos, que hoje "sobrevive" mais por obras fake do que pela sua obra original, deixada fora de catálogo - , irritando os mais renomados intelectuais brasileiros, e Bolsonaro tornou-se famoso ao ser denunciado por planejar um ato terrorista, não consumado, irritando os altos comandos das Forças Armadas.
Sem saberem realmente o que são valores éticos e morais, muitos brasileiros passam a ter uma compreensão confusa das coisas e acabam se deixando levar, por fascinação ou por outras sensações extremas, a personalidades que se projetam pela mediocridade ou por atos desonestos, que se ascendem na vida de maneira inconveniente e até passam por encrencas graves, mas dão a volta por cima menos por mérito e mais por uma rede de apoios, conveniências e complacências, botando um pouco de vitimismo na sua trajetória de ambições desmedidas.
A PAZ E O AMOR VIRARAM PROPRIEDADES PRIVADAS DOS "MÉDIUNS"
Ainda vamos discutir o arrivismo e o tema estará nas pautas populares em breve, porque as situações mostrarão os problemas de pessoas que, estando em alta e em evidência na sociedade, não são, todavia, as pessoas que "chegaram lá" de maneira limpa e honesta como se imagina, da mesma forma que também não se arrependeram dos erros cometidos, apenas "deixando de errar" pelas conveniências do momento.
Nessa má educação emocional que as pessoas insistem em ter, e que permitem a ascensão sem freio de um presidenciável fascista - o caso de Jair Bolsonaro é tão grave que até a extrema-direita da França e da Alemanha rejeita ele, como, no passado, nem os generais que atuaram na ditadura confiavam na pessoa do "mito" - , os conceitos de "amor" e de "paz" foram "privatizados", vinculados ao prestígio religioso dos "médiuns".
Sim, isso mesmo. "Paz" e "amor" deixaram de ser conceitos públicos e livres e, por isso, se tornaram "personificados" pelas figuras dos "médiuns", a partir de Chico Xavier, se estendendo para seus "sócios" e "herdeiros" Divaldo Franco e João Teixeira de Faria, o "João de Deus", entre outros. No exterior, com menos intensidade, tenta-se "privatizar" essas virtudes humanas na figura de Madre Teresa de Calcutá, apesar de denúncias, com provas, de que ela maltratava seus assistidos, deixando-os alojados em condições desumanas.
O discurso não é fácil de ser questionado. O vínculo personalizado das virtudes humanas a determinados ídolos religiosos é visto sempre como algo "positivo", uma perigosa unanimidade que transforma "paz" e "amor" em bens privados, enquanto o "ódio" e a "vingança" se tornam bens públicos, vide a onda de ataques trazida por apoiadores de Jair Bolsonaro em vários cantos do Brasil, na qual teve, pelo menos, o saldo de um morto (o capoeirista Moa do Katendê) e vários feridos.
"Paz" e "amor" passam a ser bens privados. "Todos" podem exercer "paz" e "amor", mas essa "liberdade" é como numa franquia empresarial. Ela tem que passar pela adoração cega aos "médiuns" que deturpam o Espiritismo em prol de um igrejismo viciado que remonta ao Catolicismo medieval, pois o "movimento espírita", ao acolher Emmanuel (padre Manuel da Nóbrega, tão conhecido dos livros de História do Brasil), assumiu essa herança religiosa da Idade Média.
As virtudes humanas se reduziram a mercadorias simbólicas das quais não se usa dinheiro, mas sugerem o consumismo emocional da "masturbação com os olhos", que é a mania de tomar a comoção pública como um fim em si mesmo, reduzindo o ato de se comover com a tragédia alheia numa diversão, num entretenimento, como arremedos grosseiros de contos de fadas infantis, em que os adultos se apegam a estórias reais que lembram o conto da "gata borralheira" que se transforma em "Cinderela".
EMOTIVIDADE PERIGOSA
Essa histeria religiosa, esse ritual perigoso de adoração aos "médiuns espíritas", que transforma "paz" e "amor" num consumismo viciado da emotividade exagerada e não raro carregada de morbidez - pela idolatria aos "médiuns", as pessoas passam a adorar viver suas desgraças e cultivam até a perigosa ânsia de supor quais dos filhos, parentes e amigos irão morrer primeiro - , corrompe de maneira nociva a razão e a compreensão humana.
Os "médiuns" passam a ser alvos da idealização mais confusa, ao sabor das fantasias de qualquer um, que em parte da sociedade faz muitos se esquecerem que esses deturpadores do Espiritismo são pessoas reacionárias e ultraconservadoras. Mesmo quem combate a deturpação, é ligado a ideias progressistas e, em alguns casos, professa o ateísmo, a fascinação obsessiva que os "médiuns" exercem, com seus rostos montados em cenários floridos ou celestiais, exerce uma perigosíssima sedução, de sensações agradáveis, mas de efeitos bastante nocivos.
Isso cria uma sensação que se equipara a um consumo de alucinógenos misturado com cocaína. No primeiro caso, cria sensações que permitem fantasias das mais surreais. No segundo caso, uma sensação de falsa superioridade, pela qual se reage com rispidez ao menor questionamento. Parece exagero essa comparação da idolatria aos "médiuns" com o consumo de entorpecentes, ainda mais quando o "espiritismo" brasileiro diz condenar o consumo dessas substâncias, mas a prática confirma que os efeitos psicológicos são surpreendentemente análogos.
Os próprios seguidores de Chico Xavier são exemplos disso. Eles reagem com muito ódio ao menor questionamento ao seu ídolo. Chegam a disfarçar com falsa mansidão, usando argumentos falsamente racionais, sua fúria, mas em dado momento soltam reações de profunda agressividade e desequilíbrio emocional. Em 1958, quando o sobrinho de Chico, Amauri Xavier, ameaçou denunciar as fraudes do tio e da cúpula da FEB e do "movimento espírita" de Minas Gerais, o escritor "espírita" Henrique Rodrigues, já falecido, despejou um artigo extremamente rancoroso escrito no seu desespero de defender o "médium".
PAZ SEM VOZ E SEM PAZ DE ESPÍRITO
Que "paz" e que "amor" são esses nos quais os seguidores de Chico Xavier se explodem de raiva quando são contrariados? É um discurso de paz tão estranho, mas também sem um questionamento objetivo, que causou estranheza quando, na década de 1990, o grupo carioca O Rappa lançou a música "A Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)", cuja letra causou muita polêmica.
A ideia dominante de "paz" está numa paz castradora. O oprimido fica "em paz" com as desgraças e infortúnios que vive, e também mantém "em paz" perdoando os privilégios desmedidos e os abusos dos seus opressores. Eles também ficam "em paz" fazendo o que querem na vida, empurrando os efeitos nocivos de seus abusos com a barriga, e "penduram a conta" para a próxima encarnação e para o arbítrio divino num futuro distante.
Essa "paz" é que é o princípio ideológico dos "médiuns espíritas". O pensamento desejoso de uma parcela de seguidores de Chico Xavier e similares tenta driblar essa realidade, sempre tentando fazer prevalecer não a verdade, mas as ideias agradáveis associadas, ainda que fantasiosamente, aos "médiuns espíritas". Mas a verdade é que a "paz" que esses "médiuns" defendem é uma "paz sem voz", embora também seja uma "paz sem paz", sem a paz de espírito dos seguidores, sempre irritáveis quando outra pessoa questiona alguma coisa que não agrade os devotos dos "médiuns".
É uma "paz" de fachada, porque não é uma paz livre. Essa "paz" é privatizada e tornada "mercadoria" de consumo de emoções do fanatismo religioso e do deslumbramento da fé cega e da "masturbação com os olhos" (um termo que ainda repercutirá muito nos debates públicos) da comoção fácil, das lágrimas reduzidas a um êxtase emocional de almas sado-masoquistas que se divertem às custas das tragédias alheias.
Portanto, se permanecer essa ideia de "paz" e "amor" como patrimônios privados dos "médiuns" que deturpam vergonhosamente a Doutrina Espírita ou apelam para os devaneios do Catolicismo medieval (como no caso de Madre Teresa), as pessoas não terão a verdadeira paz. Elas só cultuarão uma pretensa "paz" e um pretenso "amor" que se subordinam ao fanatismo religioso (mesmo o fanatismo que não é assumido como tal), à imagem idolatrada dos "médiuns" (modernos "velocinos de ouro" em forma de gente), a serviço apenas de sensações de êxtase místico, que não conseguem trazer respostas reais para as injustiças humanas, preferindo uma falsa paz que mantenha a desigualdade social de forma controlada, visando apenas evitar tensões violentas, sem trazer a verdadeira qualidade de vida.
A "paz" e o "amor" dos "médiuns espíritas" é essa paz sufocante que cala a voz dos oprimidos mas mantém a trilha aberta dos opressores. Uma "paz" e um "amor" que dissimulam as injustiças, em vez de combatê-las, porque mais parecem atos de consentimento do que de busca pelo benefício de todos. Essa "paz", como diz o sucesso de O Rappa, é uma "paz sem voz", que não é a verdadeira paz, mas uma demonstração de medo e de aceitação das injustiças humanas.
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