(Autor: Professor Caviar)
Temos que interpretar as coisas com coerência. De fato, Francisco Cândido Xavier não previu a ascensão de Jair Bolsonaro nem sua chegada à Presidência da República. O portal de notícias G1 - das Organizações Globo, que blindam o "médium" - , publicou uma matéria desmentindo a atribuição que atrai muitos internautas nas redes sociais.
Isso é correto. A mensagem de Chico Xavier, que se atribui ao suposto espírito de André Luiz, foi publicada em 1952. Uma parte de seu conteúdo original é essa:
"Mas, no fim de tudo, vai aparecer um homem franco, sincero e leal que, montado em seu cavalo branco e com sua poderosa espada, dará uma nova dimensão e personalidade nos destinos do Brasil, corrigindo injustiças e fazendo voltar a confiança e esperança no futuro do Brasil.
Será combatido e criticado por seu temperamento e atitudes, mas ele contará com a proteção das Forças Supremas que habitam o Cosmos, e o Brasil será verdadeiramente o coração do mundo e, apesar de crises e ameaças, internas e externas, que irão aparecer, ele será sempre o fiel da balança pela sua fé e a esperança no destino do Brasil a ele confiado."
O texto, associado à formação ideológica de Chico Xavier, descreve somente um político conservador com poderes de "salvador da Pátria". Não é uma mensagem que pode ser levada a sério e, como pretensa profecia, ela também vai rigorosamente contra os ensinamentos espíritas originais, pois Allan Kardec não aprovaria esse tipo de tarefa, que tanto alimenta confusões e sofre alto risco de cometer equívocos.
Mesmo que não haja atribuição a Jair Bolsonaro, Chico Xavier, tendo sido uma figura bastante conservadora - fato comprovado no programa Pinga Fogo da TV Tupi e condizente às raízes sociais do "médium" - , criou as condições morais e psicológicas que fizeram do Brasil um país mais inclinado às forças políticas conservadoras. Chico apoiou abertamente o golpe militar de 1964 e sua consequente ditadura, e seu apoio foi feito com clara consciência de seus atos e com suas próprias palavras.
Mas Chico Xavier também está associado a outras coisas fake. A suposta psicografia, após várias análises publicadas em várias fontes e feitas há muito tempo - atualmente a principal fonte de questionamentos de veracidade dessa atividade é o Obras Psicografadas - , foi constatada ser fake porque ela inevitavelmente apresenta algum aspecto que destoa severa e preocupantemente dos aspectos pessoais do respectivo morto alegado.
Assim, não há tese que possa apontar sequer uma possibilidade de veracidade a Parnaso de Além-Túmulo. O suposto agrupamento de escritores de diferentes períodos, numa obra que soa risível pelo título, "Parnaso", que se refere ao já ultrapassado movimento parnasiano, que havia decaído dez anos antes do lançamento do livro "psicográfico", em 1932.
Mesmo o escritor Humberto de Campos, bastante popular nos anos 1920, era considerado um autor neo-parnasiano com um pé no Modernismo. Ele também foi alvo de obras claramente fake, pois as supostas psicografias lançadas por Chico Xavier - na verdade uma revanche do "médium" que detestou a resenha irônica do autor maranhense para Parnaso de Além-Túmulo - que levam o nome de Humberto e, depois, de Irmão X, destoam de maneira aberrante do estilo original do autor, do qual poucas e vagas semelhanças (que mais parecem paródicas) são identificadas. De forma risível, um capítulo de um livro cômico, O Brasil Anedótico, foi plagiado em Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, obra que se revela ter sido escrita a quatro mãos por Chico Xavier e Antônio Wantuil de Freitas, porque apontam os estilos desses dois escritores. Outro capítulo menos cômico do referido livro original de Humberto foi plagiado em Crônicas de Além-Túmulo, também de Chico e Wantuil.
PONTOS COMUNS
Embora se deva admitir que Chico Xavier não previu a ascensão de Jair Bolsonaro, ele criou as condições psicológicas para isso, com seu conservadorismo religioso. Outro fato verídico é que ambos apresentam pontos surpreendentemente comuns, como o arrivismo. Chico Xavier se ascendeu publicando literatura fake que provocou muita confusão nos meios literários. Jair Bolsonaro escandalizou ao se envolver com um plano de ataque terrorista que, por pouco, não foi realizado.
Ambos se tornaram réus, beneficiados pela impunidade. Chico foi réu no caso Humberto de Campos e a Justiça aparentemente não entendeu o processo e o considerou "improcedente", em 1944. Em 1957, Chico Xavier assediou o filho, também chamado Humberto de Campos, chamando-o para um espetáculo que incluiu reunião doutrinária e práticas de Assistencialismo, para pôr fim à batalha judicial. O episódio é oficialmente tido como "reconciliação" dos herdeiros de Humberto com o "médium", mas se trata de um tipo de assédio moral (embora com o teor de dominação psicológica típico do assédio sexual) feito por motivação religiosa.
Jair Bolsonaro havia feito um plano de atos terroristas em vários quartéis e outros lugares estratégicos no Rio de Janeiro, em 1987, e pouco depois, narrou como se faz uma dinamite à repórter Cássia Maria, de Veja, que, tempos depois, foi ameaçada pelo entrevistado, que lhe fez o famoso gesto de atirador, usado na sua campanha presidencial. Julgado pelo Superior Tribunal Militar, Jair foi condenado apenas a uma medida disciplinar, tendo sido precocemente reformado capitão, sendo posto na reserva. A partir daí, iniciou-se carreira política, com uma perigosa ascensão pessoal.
O que se chama a atenção é que tanto Chico Xavier quanto Jair Bolsonaro, embora aparentemente em pólos opostos, representam o mesmo inconsciente coletivo, a mesma catarse emotiva da população envolvida e a mesma mitologia que envolve falta de senso crítico e pouca capacidade de discernimento da realidade.
Ultimamente, os mesmos redutos das redes sociais cultuam os dois ídolos. Houve muitos casos de internautas postarem memes com frases "pacifistas" de Chico Xavier e depois manifestar seu voto em Jair Bolsonaro "para combater a roubalheira que toma conta deste país". Pessoas que acreditam em soluções simplistas tanto para a pobreza quanto para a violência, simbolizadas, respectivamente, por Chico e Jair.
A própria literatura fake de Chico Xavier também abriu precedentes para as fake news que glorificam e dão maior cartaz a Jair Bolsonaro. Da mesma forma que também impulsionou as identidades fake que anabolizam a popularidade do candidato fascista. O moralismo conservador de Xavier também contribuiu muito, o "sofrer em silêncio" e o não-questionamento que faz as pessoas serem submissas e dependentes de algum líder conservador mais enérgico. Daí que, embora pareça contradição, Jair Bolsonaro se encaixa nos paradigmas psicológicos que envolvem Chico Xavier.
O anti-comunismo de Chico Xavier, abertamente declarado diante de multidões no programa Pinga Fogo, da TV Tupi de São Paulo, também encontra afinidades com o anti-petismo que faz uma parcela da sociedade preferir Jair Bolsonaro e tudo que se relaciona a ele (o filho Flávio, por exemplo, concorre ao Senado e é alimentado pela mesma carga mítica). Chico afirmou, com as seguintes palavras, que poderiam ter saído da boca de um eleitor de Jair Bolsonaro:
"Temos que convir (...) que os militares, em 3l de março de 1964, só deram o golpe para tomar o Poder Federal, atendendo a um apelo veemente, dramático, das famílias católicas brasileiras, tendo à frente os cardeais e os bispos. E, na verdade, com justa razão, ou melhor, com grande dose de patriotismo, porque o governo do Presidente João Goulart, de tendência francamente esquerdista, deixou instalar-se aqui no Brasil um verdadeiro caos, não só nos campos, onde as ligas camponesas (os “Sem Terra” de hoje), desrespeitando o direito sagrado da propriedade, invadiam e tomavam à força as fazendas do interior. Da mesma forma os “sem teto”, apoderavam-se das casas e edifícios desocupados, como, infelizmente, ainda se faz hoje em dia, e ali ficavam, por tempo indeterminado. Faziam isto dirigidos e orientados pelos comunistas, que, tomando como exemplo a União Soviética e o Regime Cubano de Fidel Castro, queriam também criar aqui em nossa pátria a República do Proletariado, formada pelos trabalhadores dos campos e das cidades".
Até mesmo a ação exagerada e equivocada de atribuir suposta profecia à ascensão de Bolsonaro revela essa conexão Chico Xavier-Jair Bolsonaro. Evidentemente, Chico Xavier não previu a ascensão de Bolsonaro em 1952, três anos antes do nascimento do presidenciável. Isso, com certeza, é um grande equívoco.
No entanto, admite-se, em contrapartida, que essa invencionice também é reflexo das afinidades de sintonia de Chico Xavier e do "espiritismo" brasileiro, igrejeiro e medieval, com os "ventos políticos" trazidos de 2016 para cá e pelo reacionarismo dos sociopatas e dos internautas médios nas redes sociais.
A aproximação do "espiritismo" brasileiro com as seitas neopentecostais, sobretudo em pautas como o repúdio ao aborto, o apoio a figuras como Sérgio Moro e a exaltação dos protestos dos "coxinhas", também sinaliza a proximidade com Jair Bolsonaro. E isso mostra um caminho de convergência entre duas forças aparentemente opostas, o neopentecostalismo hoje representado pela Rede Record (hoje Record TV), e o "espiritismo" de Chico Xavier simbolizado pela Rede Globo de Televisão.
As duas forças se concorriam, como rivais, desde o final dos anos 1970, quando a Globo adotou Chico Xavier para neutralizar a ascensão de Edir Macedo e R. R. Soares. Mas, desde que se uniram em torno da derrubada do governo Dilma Rousseff em nome de um suposto "combate à corrupção", "espíritas" e neopentecostais estão cada vez mais unidos num projeto ultraconservador de país.
Recentemente, Edir Macedo, dono do grupo Record, declarou apoio a Jair Bolsonaro. Se vivo estivesse, Chico Xavier também sinalizaria apoio a Bolsonaro, mesmo admitindo que seus seguidores adotam "sentimentos desagradáveis e infelizes". Seu apoio sinalizaria o apoio ou o consentimento que uma parcela de celebridades, juristas e políticos prezam pelo candidato fascista. A opção de Xavier por Bolsonaro desafia todo pensamento desejoso das esquerdas que, delirantemente, imaginam que o "médium" estaria apoiando o PT, tese frágil só sustentada por apelos emocionais, facilmente desmontáveis pelos argumentos mais realistas e de acordo com a lógica dos fatos.
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