(Autor: Professor Caviar)
A constatação de que a suposta psicografia de Francisco Cândido Xavier, na verdade, sempre foi fake soa dolorosa para muitos, que reagem a isso com lágrimas, com desculpas ou com irritação.
Essa constatação, por incrível que pareça, se baseia em provas contundentes e bastante consistentes. Isso é desagradável para muitos, mas se confirma em várias fontes e em vários episódios: desde a disparidade de estilo de escritores mortos famosos, confrontando a obra original e a "psicográfica", até as assinaturas de mortos comuns confrontadas com as supostas assinaturas espirituais correspondentes, também apresentando diferenças aberrantes.
São provas que saltam aos olhos, e que poderiam desqualificar, com muita facilidade, Chico Xavier, que seria condenado por falsidade ideológica, apropriação indébita de prestígio alheio, ofendendo, assim, à memória do falecido, entre outros crimes. Provas de fácil identificação, com uma simples leitura observadora, porque os contextos permitem e há grandes evidências de que a "psicografia" de Chico Xavier vai de encontro à individualidade dos autores mortos alegados.
O grande problema é que as paixões religiosas - tão traiçoeiras e perigosas quanto as paixões do sexo e das drogas, na medida em que elas tentam se sobrepor à lógica e ao bom senso - simplesmente evitaram que Chico Xavier fosse condenado e desqualificado de qualquer coisa. E agora que, diante do perigoso fenômeno eleitoral de Jair Bolsonaro, se descobriram semelhanças surpreendentes entre o ex-capitão e o "médium", ambos arrivistas de perfil ideologicamente ultraconservador, os aspectos sombrios da trajetória de Xavier precisam ser questionados e investigados sem a complacência habitual das paixões religiosas, que põem as fantasias da fé acima da realidade e em prejuízo a esta. E, em tempos de fake news, nada como tirar o véu da fé cega para lembrarmos que Chico Xavier, para desespero de seus seguidores, foi um dos pioneiros da literatura fake que hoje influi na projeção de Bolsonaro.
A situação é tão aberrante que o nome de Humberto de Campos só sobrevive através da obra fake que, de maneira bastante explícita, destoa do estilo original do autor maranhense. Enquanto isso, a obra original, com um estilo bem mais ágil, de linguagem acessível mas também impecável, do autor maranhense, permanece oficialmente fora do catálogo, e infelizmente não são todos os livros dele que estão disponíveis na Internet ou em sebos, enquanto a obra supostamente espiritual está em livre circulação nas livrarias, mas também disponível para download gratuito na Internet. É um grande absurdo.
Só que o Brasil não tem um hábito aprofundado de leitura e vive de indigência intelectual, e mesmo o hábito de leitura é feito sem a compreensão crítica e o raciocínio analítico do que é lido. Só para se ter uma ideia, os dois mais recentes fenômenos literários são os livros de youtubers, voltados para falar de tolices cotidianas, e a risível e constrangedora onda dos "livros para colorir".
MALANDRAGEM "ESPÍRITA"
O "movimento espírita" lança mão de uma série de malandragens para salvar a pele de Chico Xavier. Diferente do ex-presidente Lula, que pode ser condenado sem provas, Chico é inocentado mesmo com provas desfavoráveis a ele. E algumas malandragens podem ser identificadas só para evitar que meios simples de investigação desqualifiquem seu "trabalho psicográfico".
Uma delas é a estratégia hipócrita de exigir critérios e métodos rocambolescos para provar se as "psicografias" são autênticas ou não. É algo comparável ao de exigir uma complicada equação matemática para se chegar ao número 4, em vez da soma simples e certeira do "2 + 2" ou do "1 + 3".
Um exemplo é o que o pesquisador Alexandre Caroli Rocha, a respeito de Humberto de Campos, exigiu. Ele disse que, para "conferir" se as supostas psicografias são autênticas ou não, seria necessário "analisar a realidade do mundo espiritual" e "o processo da psicografia". Só que o "movimento espírita", ao qual Caroli é ligado, nunca fez, de verdade, esse trabalho, e o que se vê é que tal "exigência" é na verdade uma desculpa para fazer circular livremente obras fake atribuídas a autores mortos.
Outra malandragem é a "liberdade da fé". Costuma-se então aceitar a tese agradável, porém absurda, de que as "psicografias" podem ser "autênticas ou não", liberando a aceitação de quem acredita na suposta (e improcedente) autenticidade. Isso vai contra a lógica e o bom senso, mas cria uma "zona de conforto" da fé, na qual os trabalhos "psicográficos" são de uma falsidade ideológica aberrante, mas são legitimados por causa das "mensagens positivas e agradáveis".
Diante da polêmica do caso Humberto de Campos, o presidente da FEB na época (década de 1940), Antônio Wantuil de Freitas, tentou arrumar outra desculpa para "permitir" a suposta psicografia, alegando que as obras "não traziam conteúdo ofensivo" e que, só por apresentar "mensagens positivas", se poderia permitir a livre publicação das "obras ditadas do além" atribuídas ao autor maranhense.
FALTA INVESTIGAÇÃO DA IMPRENSA, AINDA QUE DE ESQUERDA
A grande imprensa hegemônica, controlada por grandes empresas de Comunicação, nacionais ou regionais, não mexe um dedo para questionar a veracidade das "psicografias" de Chico Xavier. Quando muito, se limitam apenas a descrever "fatos controversos", deixando a "polêmica" sempre "em aberto", como se observa em publicações como Superinteressante, do Grupo Abril.
Chico Xavier é blindado pela Rede Globo de Televisão, que o fez seu totem religioso para fazer competir com R. R. Soares e Edir Macedo. Era uma rivalidade própria do contexto da ditadura militar, mas que, hoje, num contexto diferente, se desfez quando a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e, de maneira não-assumida, o "movimento espírita" no seu conjunto (exclui-se os que não compartilham do seu igrejismo, evidentemente), as três instituições religiosas mais favorecidas pelo regime militar, se aproximaram e se uniram a pautas ultraconservadoras, como a rejeição total ao aborto, o apoio ao golpe político de 2016, a exaltação à Operação Lava Jato e às manifestações dos "coxinhas" pela saída da presidenta Dilma Rousseff.
Chico Xavier, também discretamente protegido do grupo Abril, também tem revelado semelhanças profundas com Jair Bolsonaro. Primeiro, porque ambos se ascenderam através de muita confusão, como o caso das supostas psicografias literárias do "médium" - Parnaso de Além-Túmulo e os primeiros livros sob o nome de Humberto de Campos - , bastante comparável, pela reação furiosa e pelo desfecho de impunidade, ao plano terrorista do ex-capitão, que também causou revolta nos meios militares (até Ernesto Geisel e Jarbas Passarinho se pronunciaram contra Bolsonaro), mas que gerou uma punição branda, meramente disciplinar, que foi a aposentadoria precoce.
Segundo, Chico e Jair são conhecidos por ideias ultraconservadoras, sendo o "médium" também comprovadamente defensor de causas machista, racista e homofóbica, definindo negros como "selvagens" (Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho), defendendo a submissão da mulher às tarefas domésticas e religiosas da sociedade patriarcal (O Consolador) e a atribuição do homossexualismo (hoje causa LGBTT) a uma "confusão mental" (Vida e Sexo). São pautas que desafiam qualquer pensamento desejoso que tente moldar Chico Xavier como um "progressista".
É até compreensível que Globo, Abril, Folha e Estadão, ou "satélites" de sua órbita midiática como SBT, Rede TV!, Bandeirantes, Jovem Pan e a Editora Três (que publica Isto É), não investiguem as irregularidades de Chico Xavier ou o fato indiscutível de que ele é o "inimigo interno" do Espiritismo, no sentido que desviou a doutrina, no Brasil, dos postulados espíritas franceses, de matriz iluminista, para substitui-los pelo igrejismo jesuíta medieval, rebaixando o legado kardeciano a uma repaginação do mesmo Catolicismo jesuíta que dominou o Brasil no período colonial.
Afinal, trata-se de um ídolo religioso moldado ao gosto das elites conservadoras, um "filantropo" para quem naturalmente não gosta de filantropia, e cuja "caridade", de baixos resultados sociais, é feita para que não se comprometam os privilégios abusivos das elites. Chico também é propagandista de uma moral conservadora, das mais retrógradas, fundamentada na Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica.
Mas não há como admitir que a mídia esquerdista ou progressista - se caso não compartilhar necessariamente com o esquerdismo - sinta uma complacência subserviente a Chico Xavier, se rendendo a uma visão adocicada ao "médium" trazida pela mídia hegemônica. Acreditar numa visão supostamente pacifista e filantrópica trazida por narrativas montadas pela Rede Globo de Televisão, que jogaram por baixo do tapete as qualidades negativas do "médium", como a deturpação dos postulados espíritas e a pregação de valores ultraconservadores.
Isso significa que as esquerdas caem na armadilha da "bonita embalagem". Pegam uma imagem de um ídolo religioso editada com a colagem de seu rosto em paisagens celestiais ou floridas, e ideias vagas sobre "paz", "fraternidade" e "amor ao próximo". Os apelos "lindos", no entanto, são falsos, porque os aspectos sombrios da trajetória de Chico Xavier - como o reacionarismo ranzinza demonstrado publicamente no Pinga Fogo da TV Tupi, em 1971 - são mais dignos de prova e exigem investigação e questionamento, pelo menos por parte da mídia progressista. Se ela não se ilude com a beleza estonteante de Regina Duarte e questiona seu reacionarismo doentio, por que vai se iludir com a falsa beleza de Chico Xavier?
Comentários
Postar um comentário