Quando Francisco Cândido Xavier faleceu, em 30 de junho de 2002, a comoção que se deu ao longo dos dias que se sucederam ao ocorrido demonstra a fascinação obsessiva em torno do suposto "médium" de Pedro Leopoldo e Uberaba.
Um exemplo disso vem de Robério de Ogum, esotérico que se diz "médium" e "vidente", e que promove esse entretenimento de gosto duvidoso, em programas de TV, nos quais brinca de prever acontecimentos que nem sempre se confirmam. É um passatempo digno das tábuas Ouija, e que só servem para a diversão de pessoas pouco esclarecidas, mas extremamente curiosas e que se tornam presas fáceis para essa fábrica de sensacionalismo que produz esses farsantes, sob as bênçãos do próprio Chico Xavier, cujas reuniões de "cartas mediúnicas" eram verdadeiras orgias da fé, da fraude, da mistificação e da obsessão pela perda do ente querido.
Reproduzimos um texto que Robério de Ogum, o "vidente dos famosos", escreveu para a revista Isto É, rasgando a seda por Chico Xavier - dizendo que ele era uma pessoa "incontestável", o que é um grande absurdo - , num texto que sucumbe aos exageros emotivos próprios dos seguidores do "médium", mesmo aqueles que "admitem que ele foi imperfeito". Recomenda-se, é claro, a leitura cuidadosa para que o leitor não se sinta seduzido pelos apelos emocionais de tais palavras.
“Chico Xavier é incontestável”
Por Robério de Ogum - Isto É, 10 de julho de 2002
Robério Alexandre Bavelone é amigo de vários figurões do futebol e esteve muitas vezes na companhia de craques que conquistaram o penta. Ama e conhece bola como poucos. Mas, na madrugada de segunda-feira 1º, esse bem-humorado paulista de Itápolis tinha o coração partido. Enquanto multidões ainda viviam o transe de alegria pela conquista no outro lado do planeta, Robério encharcava de lágrimas as bochechas fartas. Bavelone, o Robério de Ogum (São Jorge, no sincretismo religioso), um dos mais solicitados e respeitados médiuns do País, conhece e utiliza há muito tempo os caminhos que levam à luz e à leveza do espírito. Mas, naquela madrugada, cedeu à dor e deu espaço, por algumas horas, à fraqueza dos desprotegidos. Foi um choro longo e picotado por soluços aquele que marcava a repetição do nome de seu ídolo maior, o médium Chico Xavier, “enviado por Deus para o plano superior” horas antes, no início da noite de domingo 30. “Considero o papel desenvolvido por Chico Xavier dentro do espiritismo ainda mais engrandecedor do que o do criador Kardec”, arrisca-se a afirmar. “Ele levou conforto para as pessoas como jamais alguém ousou levar. Nos últimos anos, era só luz. Provou que não precisava sequer do bom funcionamento da matéria do seu corpo. Chico Xavier é incontestável. Todos nós já fomos ou ainda seremos contestados, mas não há espaço para isso quando o assunto é Chico Xavier. Mesmo os céticos devem considerá-lo um fenômeno. Não há tempo hábil na vida para alguém sem um dom especial escrever 418 livros, como ocorreu com ele. Sinto-me pequeno perto de Chico Xavier. Não sou nada perto dele, absolutamente nada. Gostaria de ter pelo menos 30% da sua humildade.”
Visões – Robério de Ogum pode não ter a santa humildade do ídolo, mas é, no mínimo, discreto em relação a vários de seus feitos. Ex-colaborador de gente conhecida como o técnico Vanderlei Luxemburgo e Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo, Robério, que se diz simpatizante da umbanda, mas teve sua primeira visão em um centro kardecista, tem no currículo a antecipação de vários episódios da história recente do País. Foram avisos dados em noites de meditação com o “Senhor Ogum”. Grande parte dessas previsões importantes foram registradas pela primeira vez em ISTOÉ. No final de agosto de 1995, anunciou na revista que haveria brevemente “uma espécie de guerra santa” entre católicos e evangélicos no País. Dias depois, no feriado de 12 de outubro, um pastor chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida na tevê e os católicos foram para as ruas, enfurecidos. Na primeira semana de 2001, entre avisos sobre enchentes e o bom desempenho da agricultura brasileira, todos confirmados depois, Robério garantiu que Ronaldo Nazário disputaria a Copa de 2002.
Sobre o ex-senador Antônio Carlos Magalhães, afirmou na mesma reportagem: “O senador (…) diz que tem o corpo fechado, mas o senhor Ogum e as entidades me dizem que, ao contrário, o ano de 2001, para ele, será marcado exatamente pela falta de proteção. Sua liderança sofrerá abalos sérios. Esses problemas irão comprometer seus principais projetos políticos para os próximos dois anos.” Em maio, ACM renunciou ao Senado após o escândalo da violação do painel eletrônico da Casa, revelado por ISTOÉ. No início de 2002, enquanto a Seleção de Felipão ainda patinava feio em meio à descrença e os gols dos adversários, a fumaça clara e perfumada de Ogum novamente tomou conta do templo. “Vamos ser campeões do mundo. Vai ser uma equipe regular, mas de força. Vai lembrar a Seleção de 1994”, disse à repórter Inês Garçoni e à subeditora Ana Carvalho, de ISTOÉ. No sábado 1º de junho, dois dias antes da estréia do Brasil na Copa, afirmou para o repórter Osmar Garrafa, da TV Gazeta, que “Emerson iria sofrer uma séria contusão na Copa”. Horas depois, numa brincadeira inocente durante o treino, o volante deslocava o ombro direito.
Robério também errou. E não faz a mínima questão de esconder esses tiros n’água. Entre outras profecias não confirmadas, anunciou que o Palmeiras seria campeão mundial em Tóquio, em 1999, disse que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, deixaria o governo FHC e apostou na governadora do Maranhão, Roseana Sarney, para as próximas eleições presidenciais. “As pessoas podem buscar ou perder forças espirituais no meio da trajetória. O caminho pode ser mudado, pois há o livre arbítrio. Isso é comum”, justifica. “O importante é manter a disposição de fazer o bem, como fez Chico Xavier.” O trecho inicial da mensagem escrita por Robério em homenagem ao ídolo confirma a sua admiração: “Hoje, o espírito tirou a roupa dos mortais, a carcaça humana. Se fez leve como a pluma e subiu em direção aos céus. E o céu, em gratidão, o aguardava em festa.” Será uma grande festa, não tenham dúvida.
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