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Acadêmico se contradiz quando disse que Chico Xavier apoiava a ditadura sem "apoiá-la"


(Autor: Professor Caviar)

Terrível incoerência cometeu o mestrando Ronaldo Terra, na sua tese intitulada Fluxos do Espiritismo Kardecista no Brasil: Dentro e fora do continuum meidúnico, publicada em 2011 para a pós-graduação em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de São Paulo (UNESP).

Descrevendo o histórico do suposto Espiritismo praticado no Brasil, Terra, em dado momento, fala do envolvimento da doutrina brasileira com a ditadura militar, e em dado momento cita a participação de Francisco Cândido Xavier no Pinga Fogo da TV Tupi, em 1971, e num evento de homenagem das Forças Armadas. Segue o longo trecho:

Outra manifestação favorável aos militares vem do kardecismo por intermédio do médium Chico Xavier. Considerado na década de 1970 como um fenômeno de popularidade, Chico impressionava a todos por ter publicado 107 livros que, segundo ele, eram frutos da psicografia. Além disso, as obras abordavam temas incomuns para a época, como o uso de anticoncepcionais, bebês de proveta e homossexualidade.

A participação do médium mineiro no programa Pinga-Fogo, da extinta TV Tupi de São Paulo, no dia 28 de julho de 1971, demonstra sua tendência sobre a política no país. (Marcel Souto) Maior relata que, ao ser sabatinado ao vivo por cinco entrevistadores, Chico Xavier prendeu a atenção de 75% dos telespectadores paulistas. Questionado pelo jornalista Reali Júnior sobre o possível conformismo dos espíritas em relação à injusta distribuição de renda no Brasil, o médium responde que “O espiritismo nos pede paciência para esperar os processos da evolução e as ações dos homens dignos que presidem os governos”.

No dia 12 de dezembro daquele mesmo ano, Chico Xavier volta ao auditório da TV Tupi para uma nova participação no programa Pinga-Fogo. Desta vez, a entrevista foi transmitida em rede nacional por um pool formado por quatro emissoras. Segundo Maior, na ocasião o médium defendeu a cirurgia plástica e a reencarnação, declarou seu respeito pela umbanda, descontraiu o público com suas histórias e ainda proferiu um discurso capaz de emocionar o próprio general Médici, então presidente do país:

– Precisamos honorificar a posição daqueles que nos governam e que vigiam os nossos destinos. Devemos pedir para que tenhamos a custódia das Forças Armadas até que possamos encontrar um caminho em que elas continuem nos auxiliando como sempre para que não descambemos para qualquer desfiladeiro de desordem. A oração e vigilância, preconizadas por Jesus, se estampam com clareza em nosso governo atual [...].

A declaração de simpatia pelo governo não termina no discurso. Ao final do programa, Chico contempla a plateia com um poema psicografado e assinado, simplesmente, por Castro Alves. Nele, uma nova homenagem: “Dos sonhos de Tiradentes / Que se alteiam sempre mais / Fizeste apóstolos, gênios/ Estadistas, generais”.

O reconhecimento não tardou, convidado pela Escola Superior de Guerra, Chico dá uma palestra aos alunos e, ao final, é homenageado com o hino da instituição cantado pelos cadetes. Enquanto sua atuação rendia comentários e protestos de religiosos e jornalistas, o médium usufruía do prestígio obtido. No dia 22 de setembro de 1972, recebeu na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o título de Cidadão do Estado da Guanabara. Nesta data, estava entre os ilustres presentes, o almirante Silvio Heck.

O comportamento de Chico Xavier não representa a adesão total dos kardecistas ao regime militar. No entanto, é importante observarmos que o médium mineiro simboliza o sucesso e a expansão da doutrina no século XX. Seu carisma conquistou milhares de brasileiros, que sempre peregrinavam até Uberaba em busca de conforto espiritual e de mensagens de familiares falecidos, psicografadas por ele.

A projeção internacional do kardecismo e o reconhecimento do Brasil como país espírita, muito se deve ao trabalho de Chico Xavier. Ele é considerado nos meios espíritas como exemplo de vida e maior representante da doutrina depois de Allan Kardec.

Assim, podemos afirmar que sua conduta amistosa em relação aos militares jamais seria questionada pelos espíritas e que, ao homenagear a ditadura, ele evita qualquer tipo de censura, podendo exercer livremente suas atividades e divulgar os preceitos da doutrina. Da mesma forma, os “comandantes políticos” aproveitaram-se da situação para usufruir do crédito revelado por um homem com perfil de santo, capaz de atrair indivíduos dos mais diversos segmentos religiosos, o que desviava o foco do clero e suas críticas.

Aliás, se considerarmos os estudos de (Sandra Jaqueline)Stoll e (Bernardo Lewgoy) (autores pesquisados na tese), (...), compreenderemos que as atitudes complacentes de Chico Xavier com o exército brasileiro eram mais condizentes com o perfil católico de santidade assumido por ele do que propriamente uma estratégia em busca de legitimação ou um ato de colaboração com a ditadura militar, condição que não reverte o relacionamento amigável do médium com os militares.

O que Ronaldo Terra escreveu é uma incoerência, pois, apesar de reconhecer que Chico Xavier evitava "causar problemas" com a ditadura militar, buscando uma relação amistosa com os militares para poder exercer livremente seus trabalhos, ficou uma tentativa do mestrando em não só exaltar a figura do "médium", falando do "sucesso e expansão espírita" e do "exemplo de vida" atribuídos ao "médium", mas também em dar a impressão de que o beato de Pedro Leopoldo "apoiou a ditadura militar sem necessariamente apoiá-la".

Essa obsessão pelo relativismo mostra uma grave incoerência e põe o mestrando em situação ridícula, porque a adesão de Chico Xavier aos militares da ditadura não condiz a uma figura à qual se atribui oficialmente qualidades relacionadas ao humanismo, à coragem de lutar pelos oprimidos e à defesa de causas progressistas, fazendo com que tais atribuições soassem mentirosas.

Afinal, enquanto Chico Xavier ia para a Escola Superior de Guerra ou para a Assembleia Legislativa da Guanabara receber homenagens de militares e civis que comandavam politicamente a ditadura militar, a Igreja Católica tinha exemplos de padres e sacerdotes se opondo ao regime, escondendo manifestantes estudantis em suas igrejas para evitar que eles fossem presos e, depois, torturados e mortos.

Xavier queria salvar sua pele, mas ele, tão associado à "caridade", nunca enfrentou os generais para salvar os mais necessitados. Em vez disso, era homenageado pelos opressores da gente humilde. A ditadura militar teve um projeto político e econômico que prejudicava as classes populares e, através do "milagre brasileiro", ampliava as desigualdades sociais colocando a classe média em situação de vantagem social, em detrimento daqueles que ganhavam pouco e passavam a ganhar menos ainda.

Chico Xavier não se comportou como um líder humanista - que normalmente enfrentaria governos autoritários para salvar o seu povo - e deixou claro que ele sempre foi um figurão ultraconservador. Ele equivaleu, nos anos 1970, ao que Olavo de Carvalho é hoje: um pitoresco beato religioso, de ideias medievais e dublê de pensador, que fazia a festa para aqueles que defenderam o pensamento conservador brasileiro em geral.

Querer acreditar, como Ronaldo Terra, que Chico Xavier "foi forçado a apoiar a ditadura militar" é de uma inverdade grosseira. Afinal, Chico Xavier foi ultraconservador do começo ao fim, repudiava energicamente as esquerdas e, nos seus últimos anos de vida, tinha um grande pavor de ver uma pessoa como o ex-metalúrgico Lula governar o Brasil.

Deixemos de contos de fadas e admitamos que "médiuns" não só "podem ser conservadores" como eles o eram de fato. E o exemplo de Chico Xavier é o maior deles, com um ultraconservadorismo que soa chocante para aqueles que veem no "médium" a "fada-madrinha do mundo real".

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