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"Espiritismo" brasileiro é deturpado e tem hierarquia, sim!


(Autor: Senhor dos Anéis)

Existe, entre os "espíritas" brasileiros, uma grande confusão mental que tenta justificar o conteúdo pela embalagem, quando sabemos que a praxe do "espiritismo" brasileiro é retrógrada, calcada numa repaginação do Catolicismo medieval que a embalagem "teórica" tenta desmentir.

Vamos contar uma estorinha, daquele falso presente no qual um monte de fezes, muito bem embaladas por camadas de papel, é colocado dentro de uma caixa, cuja embalagem é considerada belíssima, de excelente material de revestimento e de decoração muitíssimo adorável, de uma maravilhosa combinação de cores.

Ninguém quer abrir a embalagem, pelo medo de estragar a surpresa e talvez pelo temor de que a ansiedade possa mostrar algo decepcionante. Mas ninguém sabe que a embalagem contém fezes, com seu terrível mau cheiro e aspecto asqueroso. Sacodem a embalagem e pensam que deve haver alguns bombons derretidos por dentro. Mas ninguém abre.

Alguém diz que a embalagem é suspeita, e as demais pessoas se irritam e se enfurecem. Uma senhora diz: "Impossível haver algo tão nojento sob uma embalagem tão bonita!". Um senhor, exaltado, concorda com a mulher: "Infeliz daquele que pensar que sob esta linda embalagem há algo tão repugnante!". 

Um outro sujeito, mais "isento", tenta argumentar, com pretensa objetividade e ares pseudo-intelectuais: "Até admito que algo decepcionante possa estar sob esta embalagem. Pelo barulho da sacudida, podemos dizer que pode haver até montes de argila ou massa de modelar por dentro, mas não acredito que possa ter algo bastante nojento", completa, com trejeitos de autoridade.

É o que acontece com o "espiritismo" brasileiro. E vamos aqui analisar duas declarações. Uma é de 2012, de uma jovem estudante da Universidade Estadual de Londrina, Vivian Matsumoto da Silva, que disse que o "espiritismo" brasileiro "não é deturpado":

"Dessa forma o Espiritismo no Brasil, não se trata de uma deturpação do Espiritismo Europeu. No Brasil, o Espiritismo teve uma série de lapidações. Na Europa, teve seu rigor, e centificidade, no Brasil ganhara mais religiosidade".

Ela alega que o "espiritismo" brasileiro - com inicial minúscula e entre aspas - recebeu influências do sincretismo religioso, o que é alvo de muita controvérsia. Com sua linha de abordagem, Vivian, mesmo sem querer, apela para a existência de "dois" Espiritismos: um, racional e original, na França, e outro, mais dogmático e religioso, no Brasil. O que desagrada os partidários brasileiros, que, mesmo sento igrejistas de carteirinha, bajulam Kardec e atribuem a ele um "único Espiritismo".

Embora acreditamos que a atuação, da parte de Vivian, tenha sido por boa-fé e, a princípio, bem intencionada, pode ter sido sob influência do seu orientador, Dr. Fábio Lanza, que deve ter sido mais responsável pela abordagem adotada e que havia apenas consentida pela orientada, por razões óbvias, como o fato dela ser iniciante, meio leiga no assunto, começando a aprender as coisas etc.

Vejamos então o que José Medrado disse em artigo de 23 de outubro de 2019 no jornal A Tarde, em que se incomoda com o título "Médium de Direita" que Veja São Paulo deu ao "médium" Divaldo Franco (embora, tendenciosamente, tenha dito que Divaldo sentisse "simpatia" por Lula: não é isso que seu depoimento minuciosamente reproduzido indicou).

José Medrado, por outro lado, tenta dizer que o "espiritismo" brasileiro não tem hierarquia, contrariando a realidade que sabemos, que existe, sim, hierarquia, com palestrantes comuns - do nível de um Orson Peter Carrara ou do falecido Alamar Régis Carvalho, por exemplo - , equiparados aos padres católicos na tarefa de pregação, sem o privilégio que, em tese, os "médiuns" (sacerdotes) têm em (supostamente) conversar com os mortos. 

Isso quer dizer, de forma mais simplificada, que os palestrantes "espíritas" comuns, que apenas lançam livros e realizam seminários e participações, são apenas pregadores, os "médiuns", mesmo que também façam isso, se tornam os oráculos pelo fato de serem famosos por, em tese, "entrarem em contato com os mortos". Vejamos o que disse Medrado:

"A doutrina espírita não é hierarquizada de forma alguma. Os profitentes somos os construtores dos nossos valores de saber e de sentir, na idealização do que nos inspiram a razão, a emoção e, claro, as conveniências, os interesses. Dessa forma, as posições do médium Divaldo Franco, assim como as minhas, são as nossas concepções. Representam os nossos valores de percepção e de conceitos, como no demais todos assim somos. No exercício da sua plena cidadania Divaldo opina, mas não forma juízo de valor doutrinário, como, naturalmente não o faço, in casu do espiritismo quem o fez foi Allan Kardec".

O grande problema, e isso coloca José Medrado em choque com Vivian, por apostar esta em "dois Espiritismos" e pelo articulista baiano falar em "juízo de valor doutrinário" somente atribuído a Kardec, alegando a "tese do Espiritismo único" que, contraditoriamente, os deturpadores seguem.

Sim, "espiritismo" é hierarquizado e deturpado. É hierarquizado porque, embora as ideias dos "médiuns", considerados "instâncias superiores" dos integrantes do "movimento espírita", possam ser compartilhadas livremente, sem que houvesse uma aparente vinculação de "posse" dessas ideias, o que se vê, na prática, é que a influência do status quo desses "sacerdotes espíritas" contribui, muito, na hierarquização.

Vejamos duas ideias. Uma é uma palestrante menor de um "centro espírita", geralmente uma tarefeira da casa, às vezes preparada para suprir a ausência repentina de um palestrante convidado, dizendo que "ninguém está aqui para sofrer", "não existe carma e só viemos aqui para sermos felizes". Ela fala para iniciantes, e dá essa noção para que os frequentadores possam voltar para casa tranquilos.

Vamos então para os textos de Francisco Cândido Xavier. Diz Chico Xavier, pouco importando a máscara "espiritual" com que ele se apresente, que fala que a pessoa, que acumula desgraças sem ter controle no seu próprio destino, é forçada a encarar uma jornada exaustiva de trabalho, é humilhada e enfrenta tragédias repentinas, tem que encarar tudo isso em silêncio e sob preces caladas, sem esboçar um gemido de dor nem uma vírgula de queixumes.

Quem estará com a razão? A palestrante que fala em "felicidade" ou Chico Xavier, considerado "superior" dentro do "movimento espírita"? Para os "espíritas", Chico Xavier, que nestes casos fala para os "mais iniciados", para os que estão por dentro da doutrina, é que está "mais correto" ao dar a encarnação um viés punitivista, de "pagamentos de dívidas" espirituais.

O que pode haver é um complexo de superioridade do "espiritismo" brasileiro que o faz julgar-se "maior do que Allan Kardec", como no caso da dicotomia entre Fé e Razão, pois, enquanto o mestre lionês afirma que tudo deve ser examinado pelo rigor da Razão e que o que apresentar problemas na compreensão lógica de algum modo, deve ser rejeitado, Chico Xavier pensa o contrário, dizendo que a Razão é amaldiçoada e que devemos deixar coisas nebulosas sob o arbítrio da Fé.

Neste caso, até os "isentões espíritas" - essa espécie de internautas que adoram ficar com a palavra final em tudo e que, no caso, patrulham em favor de Chico Xavier - parecem rejeitar o rigor da lógica kardeciano. Atribuem a isso "overdose de raciocínio" e fazem coro à tendência brasileira de sempre amaldiçoar o senso crítico, o saber investigativo, quando ele sempre ameaça a reputação de totens consagrados.

Quanto à deturpação, o "espiritismo" brasileiro é deturpado, mesmo. A "catolicização" não é inocente, não se trata de uma escolha ingênua de acolher elementos afro-brasileiros, orientais, católicos e protestantes para desenvolver um "espiritismo mais criativo e religioso" no nosso país.

Esquece Vivian que a Federação "Espírita" Brasileira, em sua História, sempre deu preferência ao igrejismo fantástico de Jean-Baptiste Roustaing do que do cientificismo kardeciano. Mesmo Chico Xavier, embora tivesse muito medo e sentisse incômodo em assumir roustanguista, foi o que melhor traduziu o pensamento roustanguiano em toda sua bibliografia de mais de 400 livros. 

O roustanguismo de Chico Xavier (sim, isso mesmo) deu tão certo que a FEB pôde deixar a obra de Roustaing só para os "profissionais". Dava, enfim, para forjar um "roustanguismo com Kardec" e colocar Chico Xavier como um "codificador brasileiro" apenas com "diferenças naturalmente locais" em relação à doutrina matriz.

Aí fica mais fácil. Como causa estranheza a contraposição do Espiritismo envolvendo dois compatriotas, o pedagogo lionês, Kardec, e o advogado de Bordéus, Roustaing, fica mais confortável disfarçar a contraposição entre um francês e um brasileiro, além do fato de que Chico Xavier adaptou Roustaing substituindo ideias incômodas (como os "criptógamos carnudos") com outras mais "fofas" como a suposta existência (sem adotar fundamentação científica) de bichinhos no mundo espiritual.

Desse modo, Chico Xavier pode abraçar ideias roustanguistas - queiram ou não queiram, isso é fato, e até Vivian ignora que o suposto "sincretismo religioso" do "espiritismo" brasileiro já é mencionado em Os Quatro Evangelhos de Roustaing, com o mesmo pretexto de "união das diferentes crenças em torno de uma doutrina única" que os brasileiros adotam. Mas aí o nome de Roustaing pode ser guardado no armário, só para os dirigentes da FEB lerem.

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