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Chico Xavier e o pastiche de "além-mar", vitimando o poeta Du Bocage


(Autor: Professor Caviar)

A imaginação fértil de Francisco Cândido Xavier, aliada às pesquisas estilísticas e consultorias de uma multidão de auxiliares, não do além-túmulo, mas da Terra, a serviço do "médium", tentaram "atravessar" o Atlântico e usurpar também os portugueses. 

Tivemos o caso famoso de Antero de Quental, um dos nomes sequestrados para o constrangedor livro Parnaso de Além-Túmulo, no qual se "atropelou" com Augusto dos Anjos, porque na hora de fazer um pastiche, confundiu-se um com o outro (no caso, Antero com a paródia do estilo de Augusto, mas com o pensamento sempre pessoal de Chico Xavier).

Pois o "médium" arrivista era ambicioso em muitos projetos - contrariando as recomendações dos ensinamentos espíritas originais, que desaconselhavam o uso de nomes ilustres para impressionar o público e forçá-lo a acreditar em mistificação - e o grande poeta trágico português, Manuel Maria Barbosa du Bocage, foi escolhido para tal aventura.

Nota-se que Du Bocage, como era conhecido o poeta português, aparece num pastiche mais cauteloso, em livro de Chico Xavier publicado em 1947, intitulado Volta, Bocage. Podemos dizer que o livro foi escrito por Chico Xavier, com a estilística forjada e moldada por Luís da Costa Porto Carreiro Neto, editor da Federação "Espírita" Brasileira.

Isso indica que Porto Carreiro é que foi o co-autor do livro - caprichando, inclusive, no pastiche estilístico que puxa as notas "explicativas" - , não o poeta português que, há muito tempo falecido (ele viveu entre 15 de setembro de 1765 e 21 de dezembro de 1805, tendo morrido precocemente aos 40 anos), deve ter ido do além-mar para outros mares distantes do além-túmulo, tendo muito o que fazer do que ficar dando ouvidos a um estranho caipira de Pedro Leopoldo.

Vamos dar alguns exemplos comparativos. Como este não é um blog de Matemática, frustremos o fã-clube de Alexandre Caroli Rocha que esperava de nós que analisássemos os poemas "psicografados" adotando fórmulas matemáticas complexas, álgebra e geometria bastante pesada com o acréscimo do cálculo binário dos algoritmos, para obter um parecer às custas da fonética de cada verso.

Paciência. Se 2 + 2 = 4, não há como depender de cálculos matemáticos. Nota-se, portanto, nesta comparação, que o conteúdo dos poemas "espirituais" é monótono, diferente do conteúdo dos poemas originais, que alternavam entre poemas de amor e poemas trágicos. A criatividade original de Du Bocage "aparece" mais como paródia de imitação, e sabemos que Chico Xavier não fez isso sozinho, mas com a participação de Porto Carreiro, e cada mensagem produzida, na verdade, contou com a ajuda do editor da FEB, que deu o tempero estilístico às "psicografias". Porto Carreiro não mede sequer escrúpulos para comparar os poemas "mediúnicos" aos originais, com essa semelhança forçada para a qual a menor possibilidade de autenticação sempre soa desprovida de qualquer fundamento.

Lembremos que a obra "mediúnica" em questão mostrou o apetite redobrado de Chico Xavier em usurpar mortos ilustres, contrariando a recomendação da Doutrina dos Espíritos, buscando aumentar seu apelo sensacionalista usando um autor português considerado "difícil", apesar do recurso fácil da produção de sonetos. Chico havia sido entregue à impunidade pelo juiz João Frederico Mourão Russell, que, seguindo a cambaleante seletividade da Justiça, que sempre protege privilegiados (o prestígio religioso é um dos privilégios em consideração), o inocentou pelo cancelamento do processo judicial dos herdeiros de Humberto de Campos.

Em primeiro lugar, vamos mostrar poemas originais de Du Bocage, "Ó Tu, Consolador dos Malfadados", "O Autor aos Seus Versos" e "Já Bocage Não Sou... A Cova Escura", com os poemas "mediúnicos" de Chico Xavier e Porto Carreiro, sem título definido. Não nos iludamos com eventuais semelhanças, que parecem fortes, porque elas soam bastante paródicas, como um produto pirata quando capricha nas suas semelhanças estéticas e formais ao produto original. Os poemas "psicografados" foram divulgados no "centro espírita" Luís Gonzaga, em Pedro Leopoldo, entre novembro e dezembro de 1946.

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POEMAS ORIGINAIS DE DU BOCAGE

Ó TU, CONSOLADOR DOS MALFADADOS

Ó tu, consolador dos malfadados,
Ó tu, benigno dom da mão divina,
Das mágoas saborosa medicina,
Tranquilo esquecimento dos cuidados:

Aos olhos meus, de prantear cansados,
Cansados de velar, teu voo inclina;
E vós, sonhos d'amor, trazei-me Alcina,
Dai-me a doce visão de seus agrados:

Filha das trevas, frouxa sonolência,
Dos gostos entre o férvido transporte
Quanto me foi suave a tua ausência!

Ah!, findou para mim tão leda sorte;
Agora é só feliz minha existência
No mudo estado, que arremeda a morte.

O AUTOR AOS SEUS VERSOS

Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça Tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados:

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz e tirania:

Desculpa tendes, se valeis tão pouco,
Que não pode cantar com melodia
Um peito de gemer cansado e rouco.

JÁ BOCAGE NÃO SOU... À COVA ESCURA

Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se  me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

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SONETO III

Por Francisco Cândido Xavier - Atribuído ao suposto espírito de Manuel Maria de Barbosa du Bocage - 27 de novembro de 1946, "Centro Espírita Luís Gonzaga", Pedro Leopoldo (MG)

Sonhava o pobre Elmano, ao sol da graça,
Aventuras sem-fim que Amor nutria,
Louco, vivendo ingrata fantasia,
Da velha China às margens do Regaça.

Infortunado vate! Mal sabia
Que o langotim da carne brilha e passa!
E, cego de prazeres, pôs-se à caça
Das mentiras cruéis que Amor trazia.

Que vale o bojo lúcido e encantado
De embarcação sem praias, onde aporte,
Brigue de ouro no abismo encapelado?!

Assim colhi do mundo amarga sorte,
Quando desfez o Tempo duro fado,
Devolvendo-me o sonho ao gral da Morte!

SONETO IV

Por Francisco Cândido Xavier - Atribuído ao suposto espírito de Manuel Maria de Barbosa du Bocage - 28 de novembro de 1946, "Centro Espírita Luís Gonzaga", Pedro Leopoldo (MG)

Volta, Bocage, ao mundo e grita ao Fado
Que a Fama vil padece desengano,
Que a carícia de Ismene é fogo insano
Depois do escuro Estige atravessado.

Antes viver no exílio sem agrado,
Sofrer de Goa o beleguim tirano,
Beijar fusco Hidal-Khan por soberano
Que ser presa de gozo desmarcado.

Preferível guardar ervadas setas
Da calúnia que mata pouco a pouco,
Sucumbindo entre as dores mais abjetas,

Que morrer, de olhar baço e peito rouco,
Na miserável chusma dos patetas
E acordar no outro mundo como louco.

SONETO VI

Por Francisco Cândido Xavier - Atribuído ao suposto espírito de Manuel Maria de Barbosa du Bocage - 30 de novembro de 1946, "Centro Espírita Luís Gonzaga", Pedro Leopoldo (MG)

Quem no Gozo consome a luz divina,
Audaz queimando a lúcida candeia,
Do Capitólio vai a Tarpéia,
Na cova onde a aflição ruge e domina.

Desventurado intento, dura sina,
Do gozador que, mísero, tateia,
Rogando claridade à casa alheia,
Ao resplendor solar que ele abomina.

Desgraçado o destino que se entrega
À prepotência vil, à guerra acesa
Dos instintos da carne escura e cega!

Ó Céus! que atroz suplício, que tristeza
No mendigo da luz, que a luz renega
Às trevas abismais da Natureza!

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