(Autor: Professor Caviar)
De repente, até a imprensa de esquerda desaprendeu a fazer jornalismo. O prefeito de São Paulo, João Dória Jr., enquanto divulgava a intragável "farinata", composto alimentar de procedência e valor nutricional duvidosos, exibiu o tempo todo a camiseta do evento Você e a Paz, comandado pelo "médium" Divaldo Franco. O silêncio total da imprensa quanto a este aspecto tem muito o que dizer, e não são coisas boas.
Em primeiro lugar, João Dória Jr. não exibiu a camiseta do Você e a Paz porque foi a única camiseta branca que encontrou ele que costuma usar camisas de colarinho e paletó. Também não foi uma iniciativa comparável à de um moleque usando camiseta de banda. Houve um propósito para João Dória Jr. aparecer vestindo a camiseta do Você e a Paz, na qual havia o crédito do nome de Divaldo Franco.
Nenhum jornalista, por mais investigativo que fosse, chegou sequer a perguntar: "ora, se a 'farinata' era apoiada pela Arquidiocese de São Paulo, por que o prefeito da capital paulista não exibiu a camiseta desta entidade, preferindo aparecer com a camiseta de um outro evento, comandado por um 'médium espírita'?". Nem essa pergunta foi feita. Todos aceitaram a estranheza como se fosse um ato natural.
Em eventos como o de João Dória Jr. exibindo a "farinata", exibir logomarcas não são atos casuais. Há um propósito de divulgação, de publicidade. Quando um jogador de futebol, quando dá uma entrevista coletiva, usa o logotipo da Nike, ele não o está fazendo porque acha lindo o logotipo, mas porque tem contratos de divulgação, há o vínculo de imagem em jogo.
VÍNCULOS DE IMAGEM ENTRE JOÃO DÓRIA E DIVALDO/VOCÊ E A PAZ
VÍNCULOS DE IMAGEM ENTRE JOÃO DÓRIA E DIVALDO/VOCÊ E A PAZ
Portanto, o que está em jogo e ninguém percebeu é que, com aquela situação, Divaldo Franco e o Você e a Paz também estabeleceram vínculos de imagem com o evento. Não tem como escapar, isso é regra da publicidade e não é um ídolo religioso que irá escapar a essa regra. Divaldo e seu evento estão representados na camiseta do prefeito de São Paulo, e se nenhuma ação foi feita contra o governante pelo uso da camiseta, é sinal de que Divaldo e seu evento aceitaram ser ligados à "farinata" lançada por Dória.
Apesar disso, o silêncio da imprensa quanto à participação de Divaldo Franco na "farinata" foi absoluto, sepulcral. Divaldo tem responsabilidade com isso. Decidiu homenagear João Dória Jr. quando ele já estava decadente, e o tratou como se fosse uma personalidade em ascensão. Divaldo deixou que o prefeito lançasse oficialmente, no Você e a Paz, o intragável alimento, o que significa que o "médium" e seu evento aceitaram ter vínculo de imagem com o evento. Divaldo responde tanto pelo apoio à "farinata" quanto dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo e único religioso criticado pelo apoio ao produto alimentar.
O que assusta é que nem mesmo o Diário do Centro do Mundo e a Carta Capital, conhecidos por mostrar o lado sombrio da mídia hegemônica e da sociedade que o representa, tiveram coragem de pôr o mito adocicado de Divaldo Franco em xeque. Deveria-se pensar que nem todos os ídolos estão acima de seus erros, se eles se envolvem em episódios graves, a queda é certa para qualquer um.
QUEDA DE "DEUSES"
O que assusta é que nem mesmo o Diário do Centro do Mundo e a Carta Capital, conhecidos por mostrar o lado sombrio da mídia hegemônica e da sociedade que o representa, tiveram coragem de pôr o mito adocicado de Divaldo Franco em xeque. Deveria-se pensar que nem todos os ídolos estão acima de seus erros, se eles se envolvem em episódios graves, a queda é certa para qualquer um.
QUEDA DE "DEUSES"
Alguém imagina que, nos EUA, foi moleza peitar o mito de "herói de Hollywood" que durante anos beneficiou o produtor Harvey Weinstein? Não foi fácil denunciar o icônico e premiado produtor, pôr sua reputação em xeque-mate, devido a denúncias de estupro e assédio sexual, mesmo disfarçados de cavalheirismo, porque ele estava associado a tantos filmes de grande popularidade e tinha um prestígio nas alturas. Foi preciso coragem e ninguém teve medo de que, ao denunciar uma pessoa de prestígio, fosse criado um escândalo de proporções gigantescas.
Mas o próprio Brasil também vê a queda de seus "deuses". Recentemente, o "deus olímpico" Carlos Arthur Nuzman foi preso durante alguns dias, denunciado por esquema de corrupção, fazendo com que sua reputação, antes altíssima - apesar dela nunca refletir em bons resultados das equipes olímpicas brasileiras - , caísse vertiginosamente.
Antigos "deuses" de diversos setores da sociedade caíram. Fernando Gabeira, o militante histórico de esquerda e dedicado jornalista, traiu o esquerdismo e recentemente foi visto apoiando o fascista Movimento Brasil Livre. A ex-jogadora de vôlei Ana Paula, musa dos sonhos de todo marmanjão, virou uma reacionária doentia nos moldes da norte-americana Sarah Palin. O ex-craque Ronaldo Fenômeno também se tornou um dos ícones do reacionarismo ideológico brasileiro.
Roqueiros antes considerados vibrantes, como Lobão e Roger Rocha Moreira, este do Ultraje a Rigor, se reduziram a reacionários febris. Marcelo Madureira, do Casseta & Planeta, fez o que a morte de Bussunda não fez, quanto ao enfraquecimento moral e artístico do grupo, ao se tornar o humorista uma pessoa ranzinza que despejava seu ódio ao ex-presidente Lula sem sequer ter um mínimo de senso de humor, ainda que este fosse ofensivo. E o ex-ator Alexandre Frota pode ter sido sempre um canastrão, mas não se imaginava chegar ao ponto de ser um fascista doentio como ele está sendo nos últimos anos.
NEM IMPRENSA DE ESQUERDA QUIS INVESTIGAR
NEM IMPRENSA DE ESQUERDA QUIS INVESTIGAR
Por que, então, tanta e tão desesperada blindagem a um "médium" de perfil antiquado, que mais parece um professor dos anos 1930, que contribuiu para a deturpação do Espiritismo reduzindo o legado de Allan Kardec a poeira, e que nunca passou de um católico medieval, a exemplo de seu antigo amigo, ídolo e colega de igrejismo e pretensa mediunidade, Francisco Cândido Xavier?
Se já é aberrante que as esquerdas estivessem complacentes com Chico Xavier, mesmo quando ele defendeu a ditadura militar, apoiou Fernando Collor contra Lula e, se vivo estivesse, teria apoiado Aécio Neves em 2014, o silêncio que se deu a Divaldo apoiando João Dória Jr. tem um quê de perigosa cumplicidade.
Nem o fato, bastante explícito mas nunca oficialmente constatado, de que os "médiuns espíritas" são blindados pela Rede Globo de Televisão, que os apoia como "sacerdotes sem batina" para enfrentar os pastores evangélicos que usam emissoras concorrentes de televisão, consegue despertar alguma desconfiança das esquerdas, que já expressaram sua complacência com todo oportunismo que viesse associado à imagem, ainda que falsa, de pobres felizes. O caso do "funk" foi um episódio que desgastou as esquerdas e garantiu a ascensão de reacionários como Reinaldo Azevedo e Rachel Sheherazade, que se promoveram por se tornarem o contraponto à complacência esquerdista ao processo de idiotização cultural das classes pobres.
Não é necessário grande esforço de raciocínio para perceber que Divaldo Franco apoiou a "farinata". Ele, pela envergadura que muitos lhe atribuem, poderia ter cancelado a homenagem ao prefeito da capital paulista por supostamente ter sido esclarecido por "espíritos superiores" que a "farinata" não representa uma alimentação de qualidade para os necessitados. Ao apoiar uma figura política decadente e um projeto alimentar de repercussão negativa, Divaldo, pelo consentimento e apoio, tornou-se também tão responsável quanto dom Odilo Scherer.
IMPRENSA NÃO TEM POR MISSÃO PROTEGER ÍDOLOS RELIGIOSOS
IMPRENSA NÃO TEM POR MISSÃO PROTEGER ÍDOLOS RELIGIOSOS
O silêncio da imprensa, que não deveria colocar o prestígio religioso acima dos erros, torna-se bastante perigoso. A grande mídia pensa que está cumprindo um papel nobre ao omitir um "médium espírita" de ser investigado e analisado por suas relações a João Dória Jr. e sua "ração humana". Grande engano. Se Divaldo Franco e o "espiritismo" assinalaram sua decadência pela afinidade de sintonia com um político decadente, a imprensa, não só a hegemônica mas a de esquerda, também podem assinar sua decadência com a complacência com um "médium" que teve o seu nome e seu evento associados a uma camiseta que o prefeito de São Paulo exibiu o tempo todo.
A missão da imprensa não é proteger ídolos religiosos, por mais que eles estejam associados às belas imagens de céu azul com nuvens, jardins floridos, crianças sorridentes. A vida não é um seriado de Teletubbies e a grande imprensa sabe disso. Se há um escândalo grave, pouco importa se os envolvidos são produtores de cinema, atletas olímpicos, humoristas de TV, craques da Seleção Brasileira, astros de novela, roqueiros empolgantes ou "médiuns espíritas".
Se existe algum ponto estranho, tudo deve ser investigado, ainda que sob o preço de "casas espíritas" serem fechadas aos montes em todo o país. Ninguém pode se julgar acima da ética, da lógica e do bom senso. E a missão da imprensa é investigar tudo, lembrando da atitude do espírita autêntico José Herculano Pires, ele mesmo um jornalista ligado à Associação Brasileira de Imprensa, e que certa vez havia chamado Divaldo Franco de impostor. Vale, portanto, o silêncio da mídia no caso da "farinata"? Definitivamente, não.
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