(Autor: Professor Caviar)
Já dá para perceber por que a chamada "boa sociedade" reage com fúria quando se questiona os supostos exemplos de bondade atribuídos a figuras diversas como Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier.
Por que pessoas abastadas e dotadas de uma vida bastante confortável ficam mais revoltadas quando pessoas que elas consideram "santas" são alvo de alguma crítica negativa, sobretudo severa, por mais verídica ou mesmo construtiva que fosse?
Afinal, não são os pobres e os miseráveis que protestam quando figuras associadas a uma imagem oficial de "extremo amor e bondade" são questionadas. São pessoas geralmente de classe média alta e até ricas que reagem diante de tamanhos questionamentos, gente muito longe de compartilhar os estereótipos de humildade que tanto dizem defender?
Isso nos põe a pensar e faz com que cheguemos a uma constatação. Esses mitos religiosos de "amor e bondade" que exploram estereótipos de "humildade" são forjados pelos ricos. Os ricos precisam desses totens "bondosos" porque servem de capa para seus elitismos histéricos.
A "bondade" que eles defendem, se observarmos bem, é superficial e paliativa. Tudo parece lindo, os ares "paternais" e "maternais" dos pretensos filantropos, as exibições de sofredores assistidos, de pobres sorridentes, do sofrimento assistido, das frases bonitas de efeito, tudo cria, na "boa sociedade", uma ilusão de que justamente as elites são também "humanas" e "solidárias" aos desasistidos e infortunados da vida.
Se você questiona esses totens, é como se deixasse os ricos e abastados a nu, sem a máscara de "bondade infinita" que os apoia através de seus símbolos de admiração e idolatria. E não é difícil ver o quanto esses ícones da caridade estereotipada têm o seu discurso produzido pelo poder midiático dominante, sob o respaldo de corporações e políticos reacionários.
Madre Teresa de Calcutá é um dos maiores símbolos dessa caridade estereotipada, e foi desmascarada por um livro e documentário feitos pelo jornalista inglês, que encerrou a vida radicado nos EUA, Christopher Hitchens. Ela simbolizava valores conservadores de paternalismo e caridade paliativa, e seus estereótipos foram trabalhados a partir do documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), de Malcolm Muggeridge, lançado em 1969.
A partir de Madre Teresa, passou a prevalecer um padrão de "amor e bondade" que corresponde a estigmas paternalistas e ações paliativas, que são feitas sem interferir no contexto de privilégios vigentes e sem ameaçar seriamente as condições político-econômicas que, de propósito, promovem desigualdades e injustiças sociais.
Esse modelo de "caridade", sempre marcado por uma exploração emotiva piegas, uma histeria emocional ideológica que culmina no fanatismo e na fé cega, é feito para que se "resolvam" o problema sem resolver, de fato, este problema. A ideia é ajudar os pobres e necessitados de maneira limitada, sem que eles pudessem crescer socialmente de forma plena, mas, quando muito, apenas de modo inócuo e limitado.
Enquanto aceitamos tudo isso, as elites podem fingir para a sociedade que são "plenamente boas". Podem escrever textos em que a palavra "amor" aparece umas centenas ou milhares de vezes. Podem encher as palavras de mel, falarem em "caridade" e "humildade", exaltarem "sentimentos humanos", falarem em "bons exemplos", "histórias lindas", e "palavras de amor".
Enquanto o teatrinho das palavras e imagens melífluas é aceito sem contestação, tudo bem. Aliás, essa ideologia da bondade estereotipada sempre fala em não questionarmos jamais, seja no sofrimento, seja no amor, seja na alegria, seja na angústia, seja nos absurdos diversos, seja nas injustiças e na corrupção.
Você observa que nem no caso da corrupção política ou da crise econômica os ícones religiosos deixam de pedir para não contestarmos? Eles se limitam a dizer para orarmos e "vibrar positivamente" para que nossos tiranos "olhem para os necessitados" e passam a "agir pelo bem".
Quando, no entanto, nós paramos com essa brincadeira e questionamos toda essa ideologia de "amor e caridade", quem é que reage com fúria? Os pobres e necessitados que mal têm forças para sentir alguma raiva? Não. São os ricos e confortáveis que explodem numa fúria que dizem serem "incapazes de sentir", que não aceitam serem contrariados.
Afinal, a doce ilusão das palavras bonitinhas, das ilustrações cheias de coraçõezinhos, flores e criancinhas, além do céu azul com o sol sempre a brilhar, serve de máscara e escudo para almas naturalmente amargas e egoístas se passarem por "generosas" e "fraternas". Se a máscara cai, as pessoas ficam "nuas" e se revoltam por causa de tamanhas revelações.
A desumanidade dessas pessoas é notória. No Facebook, tantas pessoas que exaltam Chico Xavier e tantos ícones "espíritas" - até mesmo um Alamar Régis Carvalho que não pagava salários para seus empregados numa editora em Salvador - por causa de suas frases bonitinhas, não conseguem ser amigas de verdade para seus colegas de mídia social.
Houve casos de uma internauta que, com muito entusiasmo, sempre compartilhava frases de Chico Xavier publicadas em memes por uma comunidade "humanitária", ao ver dois de seus ex-colegas de escola, seguidores da moça no Facebook e, portanto, seus "amigos" digitais, mal conseguia esconder seu incômodo em vê-los pessoalmente, sabendo que eles nem sempre correspondem ao perfil e ideias próprios da internauta.
As pessoas não conseguem ser boas por conta própria. Nem se interessam a ajudar o próximo, preferindo louvar os outros que supostamente ajudam os necessitados. Precisam dessa máscara ideológica de "amor e bondade", de mitos associados a supostos filantropos de aparência frágil, que simbolizam estigmas que as elites acreditam de pessoas "humildes" e "bondosas".
Precisam de uma Madre Teresa de Calcutá, idosa baixinha, magra e cheia de rugas, ou de um Chico Xavier de óculos escuros, franzino e doente, ou de um Divaldo Franco que lembra os velhos professores das escolas dos anos 1940, vestindo de forma "elegante mas simples", porque estão na ilusão de investir em supostos "bons exemplos", num padrão de "amor e bondade" construído pelas próprias elites.
Daí que se observa que tais figuras "humanitárias" também são estranhamente apoiadas pelos detentores do poder, pelos empresários exploradores de mão-de-obra maltratada, pelos tiranos, pelos corruptos que premiam tais "filantropos" com medalhas e condecorações, e eles, "humildemente", louvando os canalhas e cafajestes que os premiam com os ouros e tesouros da Terra, tão "espiritualizados" que são tais "figuras de amor e bondade".
É uma Madre Teresa de Calcutá exaltando o presidente dos EUA, Ronald Reagan, ao receber deste a Medalha da Liberdade, definindo-o como "defensor da paz" enquanto este promovia genocídios em países que não compartilhavam da "democracia" defendida pela grande nação capitalista.
É um Chico Xavier defendendo a ditadura militar que preparava o "reino de amor" do Brasil futuro, às custas de torturas e assassinatos. É um Divaldo Franco que, feliz da vida, exalta corruptos e canalhas que "merecem a misericórdia de Deus" e já "progridem" por premiar o "médium" com medalhas feitas em favor do seu "trabalho pelo próximo".
São "filantropos" - existem tantos outros assim - que pouco se importam com o verdadeiro sofrimento humano. Chico Xavier expondo famílias de mortos ao sensacionalismo jornalístico e à publicidade oportunista de "centros espíritas". Divaldo Franco considerado "maior filantropo do mundo" ajudando menos de 1% da população de uma única grande cidade. Madre Teresa deixando doentes e pobres morrerem sem cuidados nem assistências, protegida então pelo título de "santa viva".
Questionamos toda essa "bondade de resultados", toda esse "mel" que corre em palavras e imagens, e é claro que as pessoas que reagem com indignação são justamente aquelas que vivem no mais pleno conforto, pouco se importando com os necessitados.
É a hipocrisia humana que está em jogo, pois quem defende esses "valores de amor e bondade" são justamente pessoas que não são naturalmente humanitárias, mas gente que precisa do verniz da "caridade" para dar uma falsa impressão de que é "boazinha" e que, com isso, possam tais pessoas se manterem na boa conta de seus amigos e parceiros mais influentes.
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