(Autor: Professor Caviar)
Francisco Cândido Xavier sempre foi católico. Católico ortodoxo e beato em ideias, embora fosse apenas heterodoxo em rituais. Fã de circo, Chico Xavier tinha dons relativamente paranormais - nunca foi o "super-médium" que tanta gente acredita - e adotava técnicas do ilusionismo circense para "anabolizar" sua fraca mediunidade.
O episódio que relatamos a seguir mostra que o "espiritismo" brasileiro nunca foi mais do que um "catolicismo à paisana", em muitos momentos mais católico do que a Igreja Católica.
Em seu conteúdo ideológico, o "espiritismo" brasileiro, a mil-anos luz distante de Allan Kardec - apesar de tantas tentativas de se demonstrar o contrário - , se comprova herdeiro da essência do antigo Catolicismo português, vigente no Brasil até as primeiras décadas do século XX e marcada de muitos dogmas e ritos medievais.
Tanto que seu maior propagandista, Chico Xavier, da maneira mais explícita e com suas próprias palavras, provou ser devoto da Teologia do Sofrimento, corrente mais retrógrada da Igreja Católica e que via nas desgraças humanas um "caminho mais rápido" de "purificação da alma". Embora até hoje nada se tenha declarado oficialmente, Chico Xavier foi realmente um devoto dessa lamentável ideologia.
Chico, em seus livros, inseria um igrejismo viscoso, gosmento, bem ao gosto do Catolicismo medieval e da ortodoxia religiosa. Por muito pouco Chico Xavier foi excomungado pela Igreja Católica, apenas por um fato bobo como "falar com os mortos" (Chico dizia entrar em contato com sua falecida mãe e com o espírito de um padre jesuíta, Manuel da Nóbrega, rebatizado Emmanuel), mas a verdade é que Chico nunca divergiu dos católicos ortodoxos e seu catolicismo até "parou no tempo" em relação a figuras como Dom Hélder Câmara e Alceu Amoroso Lima.
Um exemplo desse igrejismo entusiasmado de Chico Xavier está no livro Chico Xavier:Um Doce Olhar para o Além, de Sebastião Aguiar, lançado pela Editora Globo no ano do centenário de nascimento do "médium" mineiro. Note-se que a Editora Globo é de propriedade das Organizações Globo, que através da Rede Globo se baseou num documentário de Malcolm Muggeridge sobre Madre Teresa de Calcutá para reinventar o mito de Chico Xavier, enfatizando o lado "filantrópico".
Neste livro, existe uma passagem que é uma reconstituição da cerimônia de lava-pés, interpretada também com alguns dados sobrenaturais. Nesse episódio, Chico Xavier é personagem de um rito católico que é definido como um processo místico de "cura", mostrando o problema nem sempre compreendido da religião querer competir com a Medicina na execução de curas difíceis, através de procedimentos místicos de valor duvidoso.
Diante disso, comprova-se que o "espiritismo", sempre que podia, contrariava e combatia a Ciência, sim, seja discriminando intelectuais menos badalados - como Franz Anton Mesmer, Percival Lowell e Wolfgang Bargmann - , seja promovendo, se não o monopólio, pelo menos a supremacia da fé religiosa nas curas mais difíceis. Por trás desse processo considerado por muitos "lindo e edificante", existe a desmoralização da comunidade científica, como se meras preces pudessem fazer mais do que pesquisas científicas bastante trabalhosas.
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TRECHO DO LIVRO CHICO XAVIER: UM DOCE OLHAR PARA O ALÉM (PÁGS. 32-33)
Por Sebastião Aguiar - Editora Globo, 2010
Chico vinha sofrendo de fortes dores num dos pés e mancava, sem que os médicos que o atenderam pudessem aliviá-lo. Diariamente, os funcionários da Fazenda Modelo eram trazidos de volta para casa em charretes que, ao retornarem a Pedro Leopoldo, tinham de passar pelo Biriba, nome dado à zona de meretrício da cidade.
Uma tarde, ao passarem pelo local, Chico e seus companheiros foram chamados pelas moças que viviam ali. Uma delas, dirigindo-se ao Chico, disse: "Venha até a minha casa, preciso lhe falar". Os colegas logo fizeram gracejos e comentários maliciosos, mas ele desceu da charrete e foi até a residência da moça.
Ali, as prostitutas reunidas o receberam com profundo respeito. Pediram-lhe que sentasse. A moça que o abordara trouxe uma pequena bacia com água limpa, pediu permissão para descalçá-lo, colocou seu pé doente na bacia e, segurando uns raminhos de flores do campo, rezou, seguida pelas companheiras. Ela molhava os raminhos e os batia delicada e repetidamente no pé de Chico. Depois enxugou-o, beijou-o e calçou-o.
Dois dias depois, emocionado, Chico contava o episódio aos amigos. Sua vidência lhe mostrou que o líquido da bacia foi ficando escuro e lodoso à medida que a moça banhava seu pé, fazendo com que a dor o deixasse lentamente.
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