
(Autor: Professor Caviar)
Grande erro as esquerdas cortejarem o "espiritismo" brasileiro e a figura do ultraconservador Francisco Cândido Xavier. Essa atitude, mesmo sustentada por desculpas persistentes, deixam as forças progressistas em posição vulnerável e ridícula, pois o "médium" Chico Xavier foi um dos maiores baluartes do pensamento conservador brasileiro. Foram acreditar na embalagem progressista, levaram gato por lebre, acolhendo um conteúdo conservador dissolvido na água com açúcar das mensagens agradáveis.
É claro que, na Internet, há pessoas estranhas não só entre os bolsonaristas propriamente ditos. Há também, entre os que se dizem, ao mesmo tempo, "espíritas" e "esquerdistas", entre os internautas comuns, que adotam um modus operandi não muito diferente dos bolsomínions. Sobretudo quando falam que "é preciso ver o outro lado", que é sempre o deles e de suas convicções pessoais sem pé nem cabeça.
As esquerdas mordem a isca, seduzidas pelas ilustrações onde o rosto de Chico Xavier "voa" em cenários celestiais ou "brota" em paisagens floridas. Ignoram seu conservadorismo ou, quando admitem, fazem mil relativizações possíveis, tudo para manter aquela imagem idealizada do "médium", bem de acordo com suas fantasias. Cria-se um "médium" não da forma como é, mas da forma como se deseja que fosse, mas, como tudo reina nas ideias "positivas", leva-se a fantasia pela "realidade", porque, na religião, só se navega na calmaria das ideias agradáveis.
Enumeramos vários erros que os esquerdistas fazem ao endeusar Chico Xavier, e que mostram o quanto esta postura deixa as forças progressistas vulneráveis, nesses tempos em que a extrema-direita, pela primeira vez, conquistou a República através do voto popular e da complacência dos setores da mídia, da Justiça e do Legislativo. Vamos lá:
1) A IMAGEM IDEALIZADA DE CHICO XAVIER PREVALECE SOBRE A REAL
A imagem dócil de Chico Xavier foi um discurso construído nos últimos 40 anos por uma associação entre a FEB e a Rede Globo. Se baseia no roteiro piegas de Malcolm Muggeridge, no qual se promove a idolatria religiosa por paradigmas artificiais de generosidade, altruísmo e simplicidade. Essa visão, fantasiosa, foi feita para Madre Teresa de Calcutá, ocultando seus aspectos sombrios de megera que maltratou seus assistidos da sorte. Como é uma imagem bastante agradável, a do ídolo religioso, ela faz muita gente dormir tranquila e, diante dos apelos sedutores da fé e das paixões religiosas, a fantasia prevalece sobre a realidade, esta bastante amarga e incômoda.
Para as esquerdas, essa perigosa predileção pela fantasia, estimulada pelos devaneios das paixões religiosas, pode fazer com que seus membros se percam em ilusões místicas e mitificadoras, e as deixem em posição bastante perigosa, criando conflito entre o comodismo da fé e o realismo da razão, pois as esquerdas são as que mais sofrem quando a realidade trai suas fantasias remanescentes.
2) CONTRADIÇÃO COM OS IDEAIS ESQUERDISTAS
Quando um expositor de esquerda presta alguma consideração a Chico Xavier, seus argumentos contradizem com outros textos habituais, sobre política. As esquerdas, por exemplo, escrevem seus textos reclamando dos abusos da mídia hegemônica, dos políticos neoliberais etc, e, sem saber, estão desobedecendo um dos conselhos ultraconservadores de seu "amado médium": o de nunca reclamar da vida e encarar as adversidades em silêncio, orando pelo algoz com misericórdia e consideração. Isso significa que as esquerdas devem aceitar, se preciso, até o Olavo de Carvalho e considerá-lo um "novo mestre", apenas orando (calados) para ele "considerar os ensinamentos do Cristo".
3) DESCONHECIMENTO TOTAL DA DOUTRINA ESPÍRITA E SUA FORMA DETURPADA
Se o brasileiro médio desconhece o que realmente é a Doutrina Espírita e, misturando alhos com bugalhos, ignora que ela é deturpada no Brasil, dá para compreender, num contexto de profunda desinformação que predomina no nosso país. O que não dá para compreender é como as esquerdas, capazes de interpretar até mensagem criptografada de algum figurão do Judiciário, têm uma grande dificuldade de ver a deturpação espírita, e acolhem, com conformidade bovina, até mesmo figuras retrógradas como Emmanuel, um jesuíta autoritário que, em reacionarismo ideológico, rivaliza com Olavo de Carvalho.
Chegam, os esquerdistas, a acolher literatura fake - como o risível ufanismo atribuído levianamente a Humberto de Campos - , enquanto condenam as fake news. Misturam o joio do trigo do cientificismo kardeciano e do igrejismo chiquista, defendendo uma gororoba de ideias que misturam pretenso pacifismo com Teologia do Sofrimento, e, a partir de uma falsa simbologia de humanismo, acabam idolatrando uma figura antagônica a sua orientação intelectual, o Chico Xavier que apelava para as pessoas sofrerem desgraças em silêncio.
4) ESQUERDAS ENDEUSAM O "MOVIMENTO ESPÍRITA" QUE A DESPREZA
Em ato falho, as esquerdas mostram sua impotência em muitos momentos. Mas esperava-se que um pouco mais de insubmissão no âmbito religioso pudesse ser exercido por seus membros. Em vez disso, a complacência fácil com o "espiritismo" brasileiro e, sobretudo, com Chico Xavier, faz os esquerdistas ficarem extremamente vulneráveis, embora cheios de desculpas para manter e justificar posições tão cheias de equívocos.
Um dado que deve ser considerado é que as esquerdas se tornam facilmente divergentes aos evangélicos neopentecostais. O problema é que os neopentecostais já chegaram a ser aliados dos esquerdistas, ainda que sob condições (como o fato desses evangélicos serem contra o aborto e a causa LGBTT). Os "espíritas" nunca foram aliados das esquerdas e, mesmo em atitudes aparentemente cordiais - como a FEB presenteando Dilma Rousseff com um livro de Chico Xavier e o "curandeiro" João de Deus atendendo Lula - , o distanciamento era mais do que explícito.
A postura dos esquerdistas em relação ao "espiritismo" brasileiro e, principalmente, a Chico Xavier é comparável à do nerd da escola que, só porque uma garota cheerleader deu bom dia para ele, dito com uma certa frieza, ele pensa que ela está apaixonada por ele. As esquerdas caem no ridículo com tal postura, pois o "espiritismo" brasileiro é eminentemente conservador.
5) ESQUERDAS SE MOSTRAM SUBMISSAS A PARADIGMAS RELIGIOSOS
Contrariando a natureza laica tão associada às forças esquerdistas, no Brasil elas se sentem tentadas a acolher o mais viscoso igrejismo. Até aí, nada de mais, mas quando a coisa chega no acolhimento dos esquerdistas ao "espiritismo" brasileiro, de essência fundamentalmente conservadora, e a sua figura retrógrada de Chico Xavier, que deixa os esquerdistas em situação ridícula.
Primeiro, porque os paradigmas religiosos que envolvem Chico Xavier são conservadores: uma caridade de fracos resultados e que não ameaça os privilégios das elites, um moralismo que recomenda aceitar desgraças sem reclamar, um misticismo piegas por ser exageradamente emotivo, que envolve clichês banais e nada progressistas em torno de conceitos como "paz", "pátria", "família" e "fraternidade". É a "paz sem voz" da música de O Rappa.
Que os esquerdistas não sejam obrigados a serem ateus, tudo bem. Que possa haver liberdade religiosa, isso é saudável. Mas entrar em contradição e acolher uma crença que não está de acordo com as pautas sociais das esquerdas cria situações embaraçosas em algum momento na vida. Ainda mais por ter sido Chico Xavier um anti-esquerdista dos mais convictos.
Ninguém relativiza o direitismo da atriz Regina Duarte pelo fato dela ter feito filmes feministas. Ninguém relativiza o direitismo de Sílvio Santos por ele ter se originado como locutor de serviço de barcas de Niterói para Paquetá e, depois, virou camelô em São Paulo. Ninguém relativiza o direitismo de Monteiro Lobato, simpatizante da Klu Klux Klan, por ele ter feito personagens rurais como a turma do Sítio do Picapau Amarelo e do Jeca Tatu. E ninguém vai relativizar o direitismo de Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, por causa de seu primeiro sucesso, "Inútil", ter sido usado como hino para a redemocratização.
Mas as pessoas fazem mil malabarismos, milhões de piruetas, rodeios e outros artifícios, para relativizar o direitismo (explícito e convicto) de Chico Xavier, a ponto de criarem textos pseudo-lógicos, com direito a citação de referências bibliográficas dentro das normas técnicas da ABNT, costurando, num discurso falacioso e sofista, argumentações e pontos de vista diferentes, nas quais se cria uma narrativa sofisticada, porém pobre em lógica e bom senso.
Com isso, as esquerdas se comportam como galinhas que insistem em endeusar determinada raposa, a ponto de persistirem em tais posições de toda maneira possível. Só que esse apego desesperado a um figurão religioso conservador pode ser ainda mais perigoso, ainda mais com o Brasil entrando numa fase sob o governo de um líder fascista.
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