(Autor: Professor Caviar)
Devemos destrinchar o conservadorismo de Francisco Cândido Xavier, que nunca teve do suposto "líder progressista e libertário" que se construiu a respeito dele, e que seu perfil "conciliador" visava muito mais proteger as elites conservadoras do que permitir algum espaço para forças progressistas e associadas a alguma modernidade. Chico Xavier só permitia espaço a estas forças dentro de uma postura subalterna ou, quando muito, coadjuvante ao protagonismo que, para ele, deveria ser do poder dominante e conservador da nossa sociedade.
Um dado a perceber é a tese de Doutorado da Universidade Federal de Uberlândia, de autoria de Roberta Afonso Vinhal Wagner, intitulada "O Coronelismo Despótico de Uberaba (MG): dos coronéis da Princesa do Sertão aos 'coronéis' do zebu na nova configuração hegemônica das elites uberabenses no período de 1960 a 2007", publicada em 2013. Nesse documento há uma passagem sobre Chico Xavier e o "espiritismo" brasileiro, em breves citações. Não podemos reproduzir os trechos da tese, porque o arquivo PDF foi programado para evitar cópias - mesmo usando os botões "Ctrl" + "C" - , o que significa que a autora também não autorizou reprodução total ou parcial de sua monografia.
Vamos, portanto, apenas interpretar as passagens do texto, cujo link está acima acessível. Entre as páginas 178 e 180, chama a atenção o fato da acadêmica tentar desvincular o "espiritismo" do elitismo conservador de Uberaba e até de qualquer influência do Catolicismo, se baseando numa visão leiga e equivocada da doutrina brasileira, que é marcada de um forte igrejismo inspirado no Catolicismo medieval.
Nesta tese, os "espíritas" são jogados no "balaio de gatos" que incluiu comunistas e ateus, entre todos aqueles que "não se comportarem nos moldes ditados pela poderosa classe eclesiástica". Quanto à "perseguição" que atinge os "espíritas" e o mito de "intolerância religiosa" de que se autoproclamam "vítimas", vale considerar o seguinte:
1) Os "espíritas" foram perseguidos até mais ou menos os anos 1940 e, em regiões mais interioranas, um pouco mais tarde. A sociedade brasileira era tão rígida, nos moldes do século XIX, que qualquer prática estranha era reprimida pela ação policial, ainda que fosse de uma "excentricidade" apenas formal, que não incomodasse os interesses conservadores vigentes;
2) A intolerância religiosa é um problema que hoje atinge religiões ligadas a povos excluídos, como africanos, árabes e judeus e, em certos casos, orientais. O "espiritismo" brasileiro não se configura nesta lista, porque é uma religião protegida pelas classes dominantes, tanto que é explícito o apoio da mídia hegemônica e a blindagem que os "médiuns" ligados à Federação "Espírita" Brasileira recebem, mesmo em seus piores incidentes;
3) Os "espíritas" que destoam dos interesses das elites dominantes são de baixa expressão, como pequenos "médiuns" sem vínculo com a FEB, instituições de menor destaque e até mesmo pessoas que divergem da orientação febiana oficial, discordando de coisas que variam do igrejismo de raiz roustanguista, que até Chico Xavier professava, até o moralismo conservador dessa religião.
"ESPÍRITAS" ERAM PERSEGUIDOS, MAS CHICO XAVIER NUNCA FOI
O que o texto ignora é que os "espíritas" perseguidos não incluíram Chico Xavier, que sempre foi bem acolhido pelas elites, conforme a própria tese acabou mostrando, contraditoriamente, quando Chico estava trabalhando em inspeção sanitária a serviço da Associação Brasileira de Criadores de Gado, da qual a organização Associação Brasileira de Criadores de Zebu era vinculada.
Chico Xavier sempre foi um protegido da sociedade conservadora. Era um católico ortodoxo adotado por um "espiritismo" moldado aos padrões religiosos do Catolicismo medieval, com concessões para o esoterismo ocultista e o curandeirismo homeopático.
O "médium", por si, nunca foi perseguido, pelo menos da forma que normalmente se atribui aos espíritas em geral (genuínos ou bastardos). Chico Xavier nunca foi heterodoxo em crenças católicas, tendo sido o contrário, um dos ortodoxos mais rígidos. Ele também nunca foi progressista, porque em suas ideias se observa a defesa explícita da servidão humana, do trabalho exaustivo e da hierarquia rígida, enquanto reprovava o senso crítico atribuindo-o o "tóxico do intelectualismo".
Em Uberaba, Chico Xavier esteve à vontade, sendo acolhido pelas elites conservadoras locais e sobretudo por coronelistas. Isso mostra que ele não pode ser jogado ao lado de comunistas e ateus e, além disso, seu depoimento no programa Pinga Fogo da TV Tupi desmente a ideia da acadêmica de inserir o "espiritismo" brasileiro no contexto de luta de classes e no lado dos opositores da ditadura militar.
O que se comprova em Chico Xavier é que ele, no Pinga Fogo, manifestou repúdio aberto aos movimentos operário, camponês e sem-teto, repudiou a figura de João Goulart e seu governo "abertamente esquerdista", disse que os militares estavam construindo o "reino de amor" para o Brasil e que a repressão militar era "necessária" para "evitar o caos" e "combater o vandalismo, os assaltos a bancos, os atentados terroristas e sequestros de embaixadores" que atribuiu aos esquerdistas.
Não bastasse isso, além dessas declarações no programa da TV Tupi em 1971, Chico Xavier foi receber, em 1972, homenagens da Escola Superior de Guerra (laboratório da ditadura militar e uma das instituições empenhadas em derrubar João Goulart em 1964) e de políticos que apoiavam o regime ditatorial.
Nem mesmo um relativo humanista de caráter conservador iria se oferecer a tais homenagens. Sem serem esquerdistas, os jornalistas do Correio da Manhã (que também pediram a derrubada de Jango) eram bem mais combativos que Chico Xavier. A posição aparentemente apolítica e sem ideologias não permite que um religioso seja homenageado pela ditadura militar, até porque ela está comprometida com o extermínio de pessoas inocentes, e não há relativizações que possam permitir um humanista apoiar a ditadura, ainda mais sendo homenageado por ela.
Isso vai contra o caráter de humildade e respeito humano. Chico Xavier, ao aceitar as homenagens da ditadura militar, sob a desculpa de não ser perseguido nem preso, está, na verdade, preferindo as recompensas da Terra, além de manifestar afinidades com quem defende ideologias conservadoras e, além disso, mostra seu desprezo pelos oprimidos, que, segundo o moralismo "espírita", sofrem para "pagar pelo que merecem".
Chico Xavier foi um protegido da elite coronelista de Uberaba. E cada vez mais se mostra o quanto o "médium" sempre foi uma figura ultraconservadora, com provas bastante consistentes, desafiando o pensamento desejoso e a mania de pretensa relativização de seus seguidores, que não conseguem explicar por que Chico Xavier "apoiava a ditadura militar, sem apoiá-la de fato".
O que a gente faz é um raciocínio bastante simples, que afirma o óbvio: se Chico Xavier apoiou a ditadura militar, é porque ele apoiou a ditadura militar. Não tem como buscar a verdade desmentindo ela mesma. O que é não pode deixar de sê-lo. Simples assim.
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