(Autor: Professor Caviar)
O periódico "Correio Espírita", espécie de Diário Oficial do "movimento espírita" brasileiro, veio com uma pequena nota de primeira página, apresentando como uma de suas matérias o anúncio de que já surgiu a "Pátria do Evangelho", que havia sido a bandeira ufanista do beato de Pedro Leopoldo e Uberaba, Francisco Cândido Xavier.
A patriotada de Chico Xavier, segundo o periódico editado no município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, se manifesta pela constatação dos males que há décadas e até séculos afligem os brasileiros e que, segundo os "espíritas", voltaram à tona a título de "informação", "despertando" os brasileiros a pensar num meio de "salvação" e "confraternização" em busca de um "país melhor".
Parece loucura, mas o que os "espíritas" tentam dizer é o seguinte: o Brasil está uma bosta e isso é bom porque os brasileiros, sabendo disso, lutarão por "algo melhor". Só que esse otimismo se contrasta com o quadro de apatia e indiferença dos brasileiros, por um lado, e o cinismo corrupto e socialmente excludente das elites e dos poderosos.
O "espiritismo" está fora da realidade. Desde que Dilma Rousseff foi forçada, ainda que na fase interina, a deixar a Presidência da República, os "espíritas" parecem tomados de muito otimismo. Eles passaram a definir as passeatas dos "coxinhas" como "despertar da humanidade", "conscientização da juventude" e "início do processo de regeneração humana na Terra".
Vejam os "conscientizados", segundo os "espíritas": movimentos ultraconservadores, alguns fascistas, como Movimento Brasil Livre, Movimento Juntos pelo Brasil, Vem Pra Rua, Acorda Brasil, entre outros. Os "espíritas", que tanto reprovam a ideia de revolta, se esquecem que, entre os "iluminados", está também um grupo chamado Revoltados On Line, comprometidos com esse "novo despertar".
Nessas "históricas manifestações", as pessoas "iluminadas" e "comprometidas com a renegeração" baixavam os shorts e mostravam os traseiros em praça pública, enquanto outras pessoas pediam "intervenção militar" (leia-se golpe militar), grupos exibiam suásticas nazistas e até senhoras eram vistas com cartazes do tipo "Por que não mataram todos em 1964?". Só faltou, aos "espíritas", dizer que o Pato da FIESP, aquele gigantesco pato de borracha, era reencarnação da Pomba da Paz.
E aí, segundo essa interpretação, temos figuras "iluminadas" como Kim Kataguiri, Renan Santos (envolvido em grave esquema de corrupção), Marcello Reis, Alexandre Frota, a família Bolsonaro, o deputado Wladimir Costa (que tatuou mensagem pró-Temer no ombro direito), o empresário escravista Flávio Rocha (da grife Riachuelo), Fernando Holiday (que, como vereador, fazia patrulhamento ideológico rondando as escolas, em nome do retrógrado ideal da Escola Sem Partido), seriam as "crianças-índigo" ou "crianças-cristal" tão sonhados pelos "espíritas".
Instalado o governo Michel Temer, os "espíritas" passaram a professar mais abertamente a Teologia do Sofrimento que era defendido por Francisco Cândido Xavier, o "popular" Chico Xavier. A Teologia do Sofrimento é uma ideologia medieval originária do Catolicismo Apostólico Romano, e fazia apologia ao sofrimento como "caminho para chegar a Deus".
Com base nessa ideologia, a "santa" Madre Teresa de Calcutá mantinha seus alojados em condições desumanas, o que lhe valeu, entre seus críticos, o título de "anjo do inferno". A Teologia do Sofrimento não é aceita pela totalidade dos católicos, mas acabou sendo abraçada pela maioria esmagadora do "movimento espírita", a partir do exemplo de Chico Xavier.
Aí vieram textos de diversas fontes "espíritas" que falavam que as pessoas deveriam "se conformar com o sofrimento" e "até amá-lo, se preciso", e muitos apelos para os outros mudarem desejos, abrirem mão das próprias necessidades, reduzir a individualidade a nada (porque individualidade, para os "espíritas", não passa de frescura), mudar os pensamentos e as habilidades, passar a fazer o que não gosta, aceitar as imposições adversas etc.
Claro que os palestrantes "espíritas" não iriam aconselhar o mesmo para eles mesmos. Numa religião em que os ditos "médiuns" vivem o mais pleno culto à personalidade, transformando a ideia de "caridade" às suas imagens personalistas, falar em "abandonar a individualidade" só serve para dar desculpas para a constatação de que Humberto de Campos e Auta de Souza, em supostas mensagens espirituais, soam muito diferentes ao que eles eram em vida.
Todo esse apelo para aceitar desgraças que os "espíritas" fazem aos outros, pedindo paciência acima dos limites e dizendo às pessoas que sofrem dificuldades acima do que podem suportar para que suportem assim mesmo, condiz ao momento atual e dá um forte indício, com chances de comprovação, de que os "espíritas" apoiam mesmo o governo Temer.
Agora que a corrupção política se torna mais escancarada e as elites retomam o poder e seus privilégios com apetite acima do comum, os "espíritas" falam que a "Pátria do Evangelho" já chegou. Um projeto perigoso, que pressupõe uma teocracia, e que certamente contraria os ensinamentos de Allan Kardec, que nunca cairia na armadilha de uma nação puxando as rédeas de uma hipotética evolução humanitária.
E a "boa nova" trazida pelo "Correio Espírita" se deu na véspera da votação da denúncia contra Michel Temer, quando o próprio presidente denunciado comprou os parlamentares da Câmara dos Deputados para votarem a seu favor. Temer venceu a parada, é claro, e o Brasil mergulha numa desordem política.
Mas aí dizer que a "Pátria do Evangelho" já surgiu não é bom. Vai ser o mesmo papo do Império Romano, quando inaugurou o Catolicismo, sob a desculpa de unir liderança política e religiosa para "unificar a humanidade". Isso deu na tragédia que conhecemos e há o risco dela se repetir com a "Pátria do Evangelho", que poderá exterminar hereges sob a desculpa dos "resgates espirituais". Colocar uma nação para ser um centro político-religioso é um perigo que pode trazer danos trágicos para a espécie humana.
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