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O moralismo religioso que rejeita o aborto mas consente com o estupro

(Autor: Professor Caviar) 

Um crime chocou a sociedade brasileira nos últimos tempos. Uma menina de 10 anos, que com a família vive em São Mateus (ES), foi engravidada pelo tio, um homem de 33 anos, depois de quatro anos sendo estuprada por ele (sim, a menina suportava isso desde os seis anos de idade!). Temendo ameaças, sua família foi procurar um hospital bem longe, em Recife, para realizar o procedimento do aborto, autorizado pela Constituição Federal, quando se trata de estupro ou de condições que ameaçam a vida da gestante. A menina se enquadra nos dois casos.

O aborto foi feito, mas por muito pouco ele não ocorreu porque a reacionária militante, de tendência neo-nazista, Sara Geromini, a Sara Winter - que fez parte de um pitoresco grupo ativista, chamado Fémen, de métodos sensacionalistas de pintar frases de efeito em peitos nus - , revelou os dados da menina e dos familiares, expondo-os de maneira depreciativa, o que fez com que seus seguidores viajassem imediatamente para a capital pernambucana para tentar invadir o hospital onde a menina estava internada.

Um grupo de feministas teve que agir para impedir a ação do grupo invasor, composto de bolsonaristas evangélicos que, com a Bíblia na mão, queriam "resgatar" a menina para impedir o aborto e mantê-la grávida. Só que o problema é que a gravidez faria a menina morrer, e o feto também não sobreviveria, porque ela tinha a formação do seu corpo físico ainda precoce e sem condições para o processo de gravidez, por ser um corpo pequeno e um organismo apenas em formação, incapazes de suportar o corpo de um bebê.

A menina, felizmente, conseguiu abortar, o que havia sido autorizado pela Justiça do Espírito Santo. O tio estuprador fugiu, mas foi preso. E Sara Winter, que havia sido presa por liderar um movimento pela extinção dos poderes Legislativo e Judiciário e estava em liberdade condicional, pode ser condenada por danos morais e por incitar a violência através da invasão de um hospital por seus seguidores. Sara já teve perfis no Instagram e no YouTube cancelados.

É certo que os evangélicos neopentecostais, os "neopenteques" dos quais incluem os invasores, são radicalmente anti-aborto. Para eles, pouco importa a questão do estupro, a estuprada que tenha que esperar o bebê nascer e reconhecê-lo como filho. É irônico que os "neopenteques" fossem contra o aborto, mas são a favor da pena de morte e elegeram um presidente que, num discurso, disse que iria "matar a petralhada" ("petralha" é o nome pejorativo dado a filiados ao Partido dos Trabalhadores).

Mas o "maravilhoso espiritismo", que se vende como uma alternativa "imperfeita, mas saudável" aos neopentecostais, também é radicalmente contrário ao aborto. Mesmo se exercido em criança estuprada, mesmo se oferecer risco à saúde da gestante. Neste caso, os "espíritas" preferem que a gestante seja sacrificada, para permitir o nascimento do filho.

O "espiritismo" brasileiro tem um moralismo retrógrado não muito diferente de setores conservadores do catolicismo ou mesmo do surreal moralismo "neopenteque". Recentemente, o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, condenou o aborto, mesmo na gravidez infantil, que definiu como "crime hediondo":

"(O aborto) não se justifica diante de todos os recursos existentes e colocados à disposição para garantir a vida das duas crianças.Lamentável presenciar aqueles que representam a Lei e o Estado com a missão de defender a vida, decidirem pela morte de uma criança de apenas cinco meses".

O problema é que Dom Walmor se esquece que o corpo de uma criança não suporta o processo doloroso e pesado da gravidez, que traz um desgaste físico muito grande que seria fatal para o corpo de uma gestante mirim. O organismo não aguenta, por estar ainda em formação, e a idade mínima na qual se consegue ter uma gravidez sem problemas é 15 anos de idade, mas, mesmo assim, é recomendável engravidar após os 18 anos.

Quanto ao "espiritismo" brasileiro, a visão é que o aborto "impediria" a chegada de um espírito que, segundo essa religião, teria se oferecido para uma nova experiência reencarnatória. O aborto seria a interrupção de um processo em curso. No caso de criança estuprada, a negação do aborto e o consentimento do estupro envolve conceitos moralistas de que a criança "pagou dívidas espirituais de vidas passadas" e que, por isso, teria que enfrentar, prematuramente, a geração de um bebê, dentro dos princípios de provas e expiações.

Até mesmo o "bondoso" Francisco Cândido Xavier, o tão festejado Chico Xavier, era um reacionário radical, que as esquerdas não reconhecem (grande erro, CX era um direitista a níveis quase fascistas, pois só rejeitava a violência física e o porte de armas), iludidas com sua imagem adocicada propagada desde os anos 1970. 

Com um moralismo punitivista e nada progressista, o "amado médium" fez, em seu livro Vida e Sexo, de 1970 (atribuído a Emmanuel, mas mesmo nessa atribuição CX concordava com tudo o que seu "mentor" defendia), sua condenação radical ao aborto, se esquecendo das condições autorizadas pela Constituição de 1988:

"(…) De todos os institutos sociais existentes na Terra, a família é o mais importante, do ponto de vista dos alicerces morais que regem a vida. (…) Com semelhantes notas, objetivamos tão só destacar a expressão calamitosa do aborto criminoso, praticado exclusivamente pela fuga ao dever. Habitualmente - nunca sempre - somos nós mesmos quem planifica a formação da família, antes do renascimento terrestre, com o amparo e a supervisão de instrutores beneméritos, à maneira da casa que levantamos no mundo, com o apoio de arquitetos e técnicos distintos. Comumente chamamos a nós antigos companheiros de aventuras infelizes, programando-lhes a volta em nosso convívio, a prometer-lhes socorro e oportunidade, em que se lhes reedifique a esperança de elevação e resgate, burilamento e melhoria. Criamos projetos, aventamos sugestões, articulamos providências e externamos votos respeitáveis, englobando-nos com eles em salutares compromissos que, se observados, redundarão em bênçãos substanciais para todo o grupo de corações a que se nos vincula a existência. Se, porém, quando instalados na Terra, anestesiamos a consciência, expulsando-os de nossa companhia, a pretexto de resguardar o próprio conforto, não lhes podemos prever as reações negativas e, então, muitos dos associados de nossos erros de outras épocas, ontem convertidos, no Plano Espiritual, em amigos potenciais, (…) fazem-se hoje - e isso ocorre bastas vezes, em todas as comunidades da Terra - inimigos recalcados que se nos entranham à vida íntima com tal expressão de desencanto e azedume que, a rigor, nos infundem mais sofrimento e aflição que se estivessem conosco em plena experiência física, na condição de filhos-problemas, impondo-nos trabalho e inquietação. Admitimos que seja suficiente breve meditação, em torno do aborto delituoso, para reconhecermos nele um dos grandes fornecedores das moléstias de etiologia obscura e das obsessões catalogáveis na patologia da mente, ocupando vastos departamentos de hospitais e prisões".

Só falta os "espíritas" passarem pano em Sara Winter, encarando-a como uma "admirável irmã" que apenas "cometeu exageros" na "boa intenção de evocar os ensinamentos do Cristo Jesus". Enquanto isso, a menina de São Mateus, conseguiu abortar, seu tio estuprador foi preso e Sara perde contas nas redes sociais. Mas ela ainda terá que conviver com traumas terríveis que lhe causarão pesadelos e temores diversos para o resto da vida.

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